Os muito ricos e o mito de que seriam “criadores de empregos”
Os mais ricos – indivíduos e empresas – são muito bons em acumular fortunas. E são melhores ainda na arte de cultivar o mito de que seriam “criadores de empregos”. Por Paul Buchheit, da Common Dreams. Via Esquerda.net
Em 1889, no seu artigo O Evangelhoda Riqueza [Gospel of Wealth], Andrew Carnegie ensinava que os norte-americanos deveriam considerar bem vinda a concentração da riqueza nas mãos de poucos, porque “a superior sabedoria, experiência e habilidade” dos ricos garantiria benefícios para todos.
Mais recentemente, Edward Conard, autor de Unintended Consequences: Why Everything You’ve Been Told About the Economy Is Wrong [Consequências indesejadas: por que tudo o que lhe contaram sobre a economia está errado], disse: “Como sociedade, não estamos a oferecer aos nossos raros talentos recompensa suficiente. Estamos pagando pouco aos que correm riscos”. [1]
Será verdade? Será que, se dermos todo o dinheiro aos norte-americanos mais ricos, estará garantido que o empregarão sabiamente e que criarão empregos e estimularão os investimentos em pequenos negócios e, assim, beneficiarão toda a sociedade? Isso parece ser o que pensam os 18 altos executivos de grandes empresas que escreveram, em carta ao Secretário do Tesouro Timothy Geithner, que qualquer aumento nos impostos sobre ganhos de capital reduzirá o investimento, “quando precisamos formar capitais nos EUA para criar empregos e expandir nossa economia.”
Os 18 empresários e executivos que assinam a carta não listam qualquer prova a favor de suas ideias, porque não há o que prove esse tipo de delírio. Os factos são outros:
Os muito ricos não gostam de investimentos de risco
Analistas de mercado de Marketwatch estimam que mais de 90% do património acumulado pelos milionários está aplicado numa combinação de investimentos de baixo risco (bondse dinheiro), no mercado de ações e em propriedade imobiliária. Segundo o economista Richard Wolff, cerca de metade do patrimônio do 1% mais rico está aplicado em fundos não incorporados (contas comerciais pessoais). O Wall Street Journal anota que cerca de mais de ¾ do patrimônio dos que valem individualmente mais de $20 milhões está investido em fundos hedge.
A parte do investimento aplicada em negócios iniciantes em 2011 não chegou a 1% dos investimentos dos ricos nos EUA.
A investigação de Mendelsohn Affluent Survey confirmou que os muito ricos gastam menos de 2% do próprio dinheiro para estimular negócios iniciantes. A última coisa que querem, pelo que se pode ver, é investir no arriscadíssimo negócio de contratar gente para inovar.
Os muitos ricos não gostam de arriscar em empregos
Os profissionais da alta gestão e da administração financeira representavam, em 2005, cerca de 60% do 1% de norte-americanos mais ricos. Os empresários empreendedores não chegavam a 3%. Estudo recente constatou que menos de 1% de todos os empresários empreendedores vinham de ambientes muito ricos ou muito pobres.
A grande massa dos investimentos dos norte-americanos mais ricos toma o rumo do exterior – para fora dos EUA, onde os mais ricos aplicam 57% do próprio dinheiro e enchem suas fábricas com trabalhadores mal remunerados e superexplorados. Números do Departamento de Comércio mostram que as empresas norte-americanas cortaram cerca de 2,9 milhões de empregos nos EUA entre 2000 e 2009. Ao mesmo tempo, criaram 2,4 milhões de subempregos fora dos EUA.
O mais provável é que os muito ricos absolutamente nunca pensem em criar empregos, sejam quais forem, nos EUA. Pesquisas mostram que 60% dos investidores com patrimônio de $25 milhões ou mais estão investindo no exterior até 1/3 de tudo que têm. Nos EUA, a riqueza extra que teria sido criada pelos cortes de impostos da era Bush evaram aos “piores números do trabalho, de toda a história”. O grande criador de empregos nos EUA, como diria Nick Hanauer, [2]é o consumidor de classe média.
As empresas norte-americanas muito ricas não gostam de investir nos EUA
Como as empresas gastam o próprio dinheiro? Em larga medida, não gastam. Segundo a agência Moody’s, o caixa de empresas não financeiras norte-americanas subiu 3% entre 1980 e 2011 e chega hoje a $1,24 trilhões. A razão património/dinheiro das empresas quase triplicou entre 1980 e 2010. Estima-se que o dinheiro paralisado como reserva de caixa nas empresas norte-americanas bastaria para manter empregados 3,5 milhões de pessoas a mais, durante cinco anos, com salário anual de $40 mil dólares.
As empresas que mais preservam suas reservas de caixa, entre as quais Apple, Google, Intel, Coca Cola e Chevron, gastam o seu dinheiro na recompra de ações (o que faz subir o preço das ações preferenciais), em dividendos para investidores e na compra de empresas subsidiárias. Segundo Bloomberg, a recompra de ações alcança hoje um dos mais altos picos dos últimos 25 anos.
A empresa Apple alega ter criado 500 mil empregos para a economia dos EUA, mas aí estão contados entusiastas da construção de aplicativos e os motoristas da Fedex que entregam iPhones a domicílio. A Apple emprega hoje nos EUA 47 mil pessoas: é 1/10 da força de trabalho da General Motors nos anos 1990s.
Os riquíssimos investem, isso sim, no exterior. Também investem mais em “drenar cérebros” para o exterior – empresários, cientistas, médicos – do que em apoiar a melhoria da educação nos EUA.
Há um campo no qual as grandes empresas gostam de gastar dinheiro: em bônus aos altos executivos. Bancos, sobretudo, cujos gastos extras são muitas vezes cobertos por empréstimos de juro zero que lhes garante o FED – Federal Reserve.
Os mais ricos – indivíduos e empresas – são muito bons em acumular fortunas. E são melhores ainda na arte de cultivar o mito de que seriam “criadores de empregos”.