1 de março de 2013

SOBRE CUBA E OS DISSIDENTES

A ILHA, SEU POVO, SEUS SONHOS

http://www.maurosanmtayana.com

Podemos  discordar do regime político de Cuba, que se mantém sob o domínio de um partido único. Mas é preciso seguir o conselho de Spinoza: não lisonjear, não detestar, mas entender. Entender, ou procurar entender. A história de Cuba – como, de resto, de quase todo o arquipélago do Caribe e a América Latina – tem sido a de saqueio dos bens naturais e do trabalho dos nativos, em benefício dos colonizadores europeus, substituídos depois pelos anglossaxões.
 
         E, nessa crônica, destaca-se a resistência e a luta pela soberania de seu povo não só contra os dominadores estrangeiros, mas, também, contra  seus vassalos internos.
 
            Já se tornou  lugar comum lembrar que, sob os governos títeres, Havana se tornara o maior e mais procurado bordel americano. A legislação, feita a propósito, era mais leniente, não só com o lenocínio, e também  com o jogo, e os mais audazes gangsters de Chicago e de Nova Iorque tinham ali os seus negócios e seus retiros de lazer. E, mais: as mestiças cubanas, com sua beleza e natural sensualidade, eram a atração irresistível para os entediados homens de negócios dos Estados Unidos.
 
           A Revolução Cubana foi, em sua origem, o que os marxistas identificam como movimento pequeno burguês. Fidel e seus companheiros, no assalto ao Quartel Moncada – em 1953, já há quase 60 anos - pretendiam apenas derrocar o governo  ditatorial de Fulgencio Batista, que mantinha o país sob cruel regime policial,  torturava os prisioneiros e submetia a imprensa à censura férrea. A corrupção grassava no Estado, dos contínuos aos ministros. O enriquecimento de Batista, de seus familiares e amigos,  era do conhecimento da classe média, que deu apoio à tentativa insurrecional de Fidel, derrotada então, para converter-se em vitoria menos de 6 anos depois. Os ricos eram todos associados à exploração, direta ou indireta, da prostituição, disfarçada no turismo, e do trabalho brutal dos trabalhadores na indústria açucareira.
 
        Foi a arrogância americana, na defesa de suas empresas petrolíferas, que se negaram a aceitar as novas regras, que empurrou o advogado Fidel Castro e seus companheiros, nos dois primeiros anos da vitória do movimento, ao ensaio de socialismo. A partir de então, só restava à Ilha encampar as refinarias e aliar-se à União Soviética.
 
        Os americanos, sob o festejado Kennedy – que o reexame da História não deixa tão honrado assim – insistiram nos erros. A tentativa de invasão de Cuba, pela Baía dos Porcos, com o fiasco conhecido, tornou a Ilha ainda mais dependente de Moscou, que se aproveitou do episódio para livrar-se de uma bateria americana de foguetes com cargas atômicas instalada na Turquia, ao colocar seus mísseis a 100 milhas da Flórida, no território cubano.
 
        A solução do conflito, que chegou a assustar o mundo com uma guerra atômica, foi negociada pelo hábil Mikoyan: Kruschev retirou os mísseis de Cuba e os Estados Unidos desmantelaram sua bateria turca, ao mesmo tempo em que assumiram o compromisso de não invadir Cuba – mas mantiveram o bloqueio econômico e político contra Havana. Enfim, ganharam Moscou e Washington, com a proteção recíproca de seus espaços soberanos – e Cuba pagou a fatura com o embargo.
   
         O malogro do socialismo cubano nasceu desse imbróglio de origem. Tal como ocorrera com a Rússia Imperial e com a China, em movimentos contemporâneos, o marxismo serviu como doutrina de empréstimo a uma revolução nacional. O nacionalismo esteve no âmago dos revolucionários cubanos, tal como estivera entre os social-democratas russos, chefiados por Lenine  e os companheiros de Mao. 
 
        Os cubanos iniciaram reformas econômicas recentes,  premidos, entre outras razões, pelo fim do sistema socialista. Ao mesmo tempo tomaram medidas liberalizantes, permitindo as viagens ao exterior de quem cumprir as normas habituais. É assim que visita o país a dissidente Yoani Sánchez (que mantém seu blog na internet de oposição ao governo cubano). Ocorre que ela não é tão perseguida em Havana como proclama e proclamam seus admiradores. Tanto assim é que, em momento delicado para a Ilha, quando só pessoas de confiança do regime viajavam para o Exterior, ela viveu 2 anos na Suíça, e voltou tranquilamente para Havana.
 
         É sabido que ela mantém encontros habituais com o escritório que representa os interesses norte-americanos em Cuba, como revelou o WikeLeaks. Há mais, ela proclama uma audiência que não tem, como assegura o sistema de registro mais confiável, o da Alexa.com. (citado por Altamiro Borges em seu site) em que ela se encontra no 99.944º lugar na audiência mundial, enquanto o modesto jornal O Povo, de Fortaleza, se encontra na 14.043ª posição, ou seja dispõe de sete vezes mais  seguidores do que Yoani. Há mais: ela afirma que tem 10 milhões de acessos por mês, o que contraria a lógica de sua posição no ranking citado.  O site de maior tráfego nos Estados Unidos é o do New York Times, com 17 milhões de acessos mensais.
 
         Apesar de tudo isso, deixemos essa senhora defender o seu negócio na internet. É seu direito dizer o que quiser, mas não podemos tolerar que exija do Brasil defender os direitos humanos, tal como ela os vê, em Cuba ou alhures. Um dos princípios históricos do Brasil é o da não interferência nos assuntos internos dos outros países. O problema de Cuba é dos cubanos, que irão resolvê-lo, no dia em que não estiverem mais obrigados a se defender da intervenção dos estrangeiros, que vêm sofrendo desde que os espanhóis, ainda no século 16, ali se instalaram.  Foram substituídos pelos Estados Unidos, depois da guerra vitoriosa de Washington contra o frágil governo da Regente Maria Cristina da Espanha.  Enfim, o generoso povo cubano, tão parecido ao nosso, não teve, ainda, a oportunidade de realizar o seu próprio destino, sem as pressões dos colonizadores e seus sucessores.
 
         Dispensamos os conselhos da Sra. Sánchez. Aqui tratamos, prioritariamente, dos direitos humanos dos brasileiros, que são os de viver em paz, em paz educar-se, e em paz trabalhar, e esses são os direitos de todos os povos do mundo. Ela, não sendo cidadã de nosso país, não deve, nem pode, exigir nada de nosso governo ou de nosso povo.  Dispensamos seus avisos mal-educados e prepotentes, e esperamos que  seja festejada pela direita de todos os países que visitará, à custa de seus patrocinadores (como o Instituto Millenium), iludidos pelo seu falso prestígio entre os cubanos.

Este texto foi publicado também nos seguintes sites:

27 de fevereiro de 2013

A RENÚNCIA DO PAPA E AS FINANÇAS DA IGREJA CATÓLICA


As finanças secretas e caóticas da Igreja Católica

A investigação por lavagem de dinheiro do Banco do Vaticano, as indenizações pelos escândalos sexuais e o número decrescente de fieis e doações são alguns dos problemas que o próximo pontífice herdará. Em entrevista à Carta Maior, o jornalista Jason Berry, fala sobre as finanças secretas da Igreja Católica, tema que foi objeto de sua investigação nos últimos 25 anos. Essa história, segundo ele, remonta à guerra fria e à massiva injeção de dinheiro da CIA no Vaticano para neutralizar a ameaça do Partido Comunista Italiano. A reportagem é de Marcelo Justo.

Londres - O Papa Bento XVI abandona o barco em meio a sérios problemas financeiros. A investigação por lavagem de dinheiro do Banco do Vaticano, as indenizações pelos escândalos sexuais e o número decrescente de fieis e doações são alguns dos problemas que o próximo pontífice herdará. Ninguém sabe exatamente quanto gasta a Igreja Católica em nível mundial, mas segundo uma investigação da revista inglesa The Economist, publicada no ano passado com base em dados de 2010, a cifra rondaria os 170 bilhões de dólares. Em um livro sobre as finanças secretas da Igreja Católica, o jornalista Jason Berry, que investigou o tema nos últimos 25 anos, afirma que a estrutura financeira da igreja é “caótica” e “opaca”.

Em entrevista à Carta Maior, Berry falou das dificuldades econômicas do Vaticano que, para ele, remetem à guerra fria e à massiva injeção de dinheiro da CIA no Vaticano para neutralizar a ameaça do Partido Comunista Italiano, então o mais poderoso da Europa ocidental.

Carta Maior: Como é a estrutura financeira da Igreja Católica em nível mundial?


Jason Berry: A Igreja Católica é muito hierárquica, monárquica eu diria, com o Papa como líder e dioceses dirigidas por arcebispos e bispos em todo o globo. Mas, em virtude de seu próprio tamanho, é internamente caótica e ingovernável. Cada bispo trabalha em sua diocese como se estivesse comandando um principado.

CM: O que sabemos de concreto sobre a riqueza do Vaticano?

JB: Há uma absoluta opacidade nas contas. Quando o vaticano declara suas rendas e gastos anuais não inclui o Instituto para as Obras de Religião, o IOR, mais popularmente conhecido como o Banco do Vaticano, cujos fundos são estimados em cerca de 2 bilhões de dólares. O IOR tem sido administrado em um clima de absoluta falta de transparência, o que o converteu em um veículo perfeito para o trânsito de todo tipo de fundos. Mas agora, com a investigação do Banco Central da Itália sobre lavagem de dinheiro, isso está mudando.

CM: Segundo algumas informações, o Vaticano tem interesses em uma empresa de espaguete, no setor financeiro, aviação, propriedades e uma companhia cinematográfica. Diz-se, inclusive, que controla entre 7 e 10% da economia italiana. Mas, dada a opacidade de suas contas, até onde é possível confirmar essas informações?

JB: Há informação disponível a instituições que nos permite saber onde está o dinheiro do Vaticano. Na Itália, o Vaticano investiu muito no Banco de Roma, que foi fundamental na reconstrução da Itália depois do “Risorgimento” no século XIX. Também tem negócios na área dos transportes públicos. A isso deve-se somar propriedades na própria Itália, na Europa e nos Estados Unidos. O Vaticano chegou a ser um dos proprietários do edifício Watergate, do famoso escândalo que provocou a renúncia de Richard Nixon. O grande tema hoje em dia é averiguar até onde prestou serviços a clientes que o utilizam como um banco “off shore”.

CM: Que impacto econômico os escândalos sexuais tiveram nas finanças da igreja?

JB: Nos Estados Unidos esse impacto foi muito forte. As dioceses e ordens religiosas pagaram mais de dois bilhões de dólares. Em muitas cidades tiveram que fechar igrejas. Los Angeles, Chicago e Boston, três das mais importantes arquidioceses, tiveram um rombo médio de 90 milhões de dólares em seus fundos de pensão.

CM: Em seu livro “Vows of Silence” você fala do fundador dos Legionários de Cristo, o mexicano Marcial Maciel que chegou a controlar um império de 650 milhões de dólares e contou com a proteção do Papa João Paulo II, apesar das denúncias de abusos sexuais. Maciel teve fortes vínculos com o governo de Pinochet no Chile e com os governos da América Central. Há alguma figura equivalente na igreja de hoje?

JB: Maciel foi o mais bem sucedido coletor que a igreja teve. Começou no final dos anos 40 buscando apoio de milionários católicos no México, Venezuela e Espanha durante a perseguição dos padres no México e pouco depois da guerra civil espanhola. Com este dinheiro, Maciel formou sua própria base de poder em Roma e se converteu no porta-voz do setor mais conservador e militante da igreja. Assim como fez com Franco, se vinculou muito com Pinochet no Chile. Nos Estados Unidos o próprio diretor da CIA durante os anos Reagan, William Casey, fez uma doação de centenas de milhares de dólares aos legionários. Maciel comportava-se como um político que viajava pelo mundo arrecadando fundos para fazer avançar a causa do catolicismo conservador e a agenda política conservadora. Mas a verdade era que toda sua ideologia encobria um delinquente sexual com poderosos contatos.

Apesar de ter sido acusado de abusar de seminaristas, o Vaticano não o investigou até 2004, a pedido do cardeal Ratzinger, quando João Paulo II estava morrendo. Graças a isso sabemos que teve filhos com duas mulheres no México e que manteve ambos os lares com dinheiro da Legião de Cristo. O escândalo é que o Vaticano demorou tanto para investigá-lo e deixou que ele se transformasse em um Frankenstein. Não há hoje uma figura equivalente no que diz respeito à arrecadação de fundos.

CM: Há uma longa história de escândalos nas finanças do Vaticano. Nos anos 80 houve o escândalo do Banco Ambrosiano e seu presidente, Roberto Calvi, que apareceu enforcado debaixo da ponte de Blackfriars em Londres. Calvi tinha fortes vínculos com o então presidente do Banco do Vaticano, o arcebispo estadunidense Paul Marcinkus. Há uma continuidade entre esses escândalos e os atuais problemas do banco?

JB: Creio que na realidade é preciso retroagir à Segunda Guerra Mundial quando a CIA começou a transferir grandes somas para o Banco do Vaticano. Em 1948, foi a primeira eleição na qual o Partido Comunista italiano, convertido no mais importante da Europa, buscava o poder. Neste momento houve uma grande campanha nos Estados Unidos, patrocinada pelo governo, da qual participou Frank Sinatra, para financiar a democracia cristã. Este foi o começo da história do dinheiro que círculos dos serviços de inteligência estadunidenses para o Vaticano. Uma geração depois, com Roberto Calvi e Marcinkus, o banco havia se convertido em uma via muito lucrativa para a passagem de dinheiro. No final dos anos 80, o banco teve que pagar uma multa de 250 milhões de dólares. Já ali o banco funcionava como uma “off shore” para seus clientes privilegiados. Mas ainda falta muito por documentar sobre essa história.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

25 de fevereiro de 2013

O QUE O CONSERVADORISMO FARIA DO BRASIL QUE TEMOS HOJE?


O que Aécio faria do Brasil que temos hoje?

Encarregado de fazer o contraponto à la carte para a mídia, Aécio Neves sequer roçou a grande pergunta embutida no feixe de avanços sociais e econômicos reunidos pela Fundação Perseu Abramo, para o evento da última 4ª feira, '10 Anos do PT'.

A pergunta é:

'Se voltasse ao poder, o que o conservadorismo faria do Brasil que temos hoje?'

A omissão não deve ser debitada à superficialidade pessoal do provável candidato tucano em 2014.Colunistas da cota reservada a José Serra sibilam essa interpretação.

Maldade.

O fato de Aécio ter omitido preferências não significa que não as tenha.

Ele as tem.

São as mesmas dos seus rivais de partido; as mesmas dos vulgarizadores de seu credo na mídia.

As mesmas marteladas pelos professores-banqueiros encarregados de pavimentar a candidatura conservadora até 2014.

Fácil é defendê-las em artigos acadêmicos.

Palatável, discorrer sobre elas em colunas dirigidas aos iniciados da mesma igreja.

Complicado assumi-las em uma tribuna pública.

Quase inviável assoalhar um palanque presidencial com o seu conteúdo.

A tarefa consiste em desqualificar e desautorizar grandezas sociais de uma mutação histórica dificilmente reversível pelas urnas.

Para ir direto ao ponto mais agudo de uma dinâmica inconclusa mas incontrolável:

As favelas brasileiras reúnem 12 milhões de habitantes e formam hoje um mercado de R$ 56 bilhões.

O equivalente a uma Bolívia.

Não é propaganda do PT. É o resultado da pesquisa feito pelo Data Favela em 2011.

Ela mostra que 65% das populações faveladas pertencem agora ao que se convencionou denominar de nova classe média, ou classe C.

Em 2002 o percentual era de 37%.

Favela continua sendo favela.

Mas o recheio humano mudou. E aí reside o paradoxo de uma dinâmica infernal para aécios e assemelhados.

O mesmo ocorre nas periferias metropolitanas que continuam sendo periferias conflagradas.

Ou nos bairros distantes que continuam carentes de serviços essencias.

E também nos conjuntos habitacionais, vilas e arruamentos rurais do resto do país.

Que continuam sendo tratados como resto do país.

A população aí residente saiu do rodapé da renda para o segmento do consumo popular. Representa agora 52% do Brasil.

O dado banalizou-se.

Mas não a completa extensão do paradoxo político que encerra.

Não o desconforto eleitoral que constrange o discurso do conservadorismo.

A ponto de Aécio recitar frases de efeito que não tem nenhum efeito.

A ponto de Lula, Dilma e o PT, de um modo geral, apostarem que esse impulso ainda pode encher as velas de mais uma vitória eleitoral. Guiada pela promessa do passo seguinte dessa história: a cidadania plena.

Mesmo difuso e ainda sem projeto --que cabe ao PT esclarecer-- o aceno tem receptividade expressiva.

Milhões de brasileiros que formariam um país do tamanho da Argentina deixaram de ser meros sobreviventes de um naufrágido de 500 anos.

Chegara à praia.

Querem mais.

Como dizer-lhes: 'Não, o regime de metas de inflação não comporta vocês'.

Ou, como preferem os professores-banqueiros do PSDB:

'O populismo petista aqueceu a demanda para além do hiato do produto (potencial produtivo acionável na economia; que eles interpretam como um grandeza inelástica)'.

A receita para reverter o desmando é a plataforma que os tucanos e assemelhados hesitam em explicitar em palanque.

Um lactopurga feito de choque de juros e cortes no salário real; a começar pelo salário mínimo.

Quase tão simples assim.

A dificuldade reside no fato de que o 'voluntarismo petista' consumou um colégio eleitoral que hoje elege sozinho um presidente da República, se quiser.

De modo que o problema não é Aécio.

Um Aécio careca enfrentaria a mesma dificuldade.

O balanço reunido pelo PT (http://www.fpabramo.org.br/sites/default/files/Folheto_PT_10anos_governo_Net.pdf) envolve escolhas e desdobramentos que vão além das platitudes da má vontade conservadora.

A tal ponto que argui a zona de conforto da própria agenda progressista.

Para que o fim da miséria seja só o começo, como promete a provável bandeira da reeleição da Presidenta Dilma, há perguntas à espera de uma resposta.

Sobre uma delas o governo se debruça exaustivamente nesse momento.

Trata-se de viabilizar um novo ciclo de investimentos que redesenhe os contornos de um país previsto originalmente para acomodar apenas o terço superior da renda.

A nova cartografia escapa às receitas técnicas que seduzem uma parte do governo.

Reequilíbrios macroeconômicos são indispensáveis.

Mas as soluções imaginadas cobram um protagonista social que as legitimem e ferramentas que as executem.

A hegemonia numérica da chamada classe C sobreviveu à crise mundial do capitalismo porque, entre outras coisas, Lula e Dilma colocaram os bancos estatais a seu serviço.

No ano passado, o Banco do Brasil expandiu em 25% a sua carteira de crédito, à base de agressiva redução dos juros.

A Caixa Econômica Federal ampliou a sua em arrojados 42%.

Para desgosto da mídia que vaticinou prejuízos calamitosos, o BB e a CEF registraram lucros recordes em 2012.

As taxas de inadimplência foram inferiores às da banca privada que, exceto o Bradesco, viu seus lucros minguarem em relação a 2011.

Bancos estatais dominam agora 47% do mercado de crédito no país.

Dispor de ferramentas autônomas permitiu ao governo criar um fenômeno de consumo indissociável da aspiração por cidadania plena.

Isso mudou a pauta política do país ao dificultar sobremaneira o discurso conservador.

Qual seria o equivalente na batalha do investimento?

Por enquanto não existe.

Daí as dificildades dilacerantes que empurram o governo de concessão em concessão. Com resultados ainda imponderáveis.

Como compartilhar esse desafio com quem tem mais interesse num desenlace progressista e bem sucedido: milhões de brasileiros à procura de um país onde caiba a sua cidadania?

A cartilha dos '10 anos do PT' deixou esse capítulo em aberto.

Cabe ao V Congresso do partido escrevê-lo em 2014.

Mas é quase tarde. É preciso correr e começar já.
Postado por Saul Leblon

24 de fevereiro de 2013

REFORMA POLÍTICA: OS DO CONTRA MOSTRAM AS UNHAS


"O alto comissário do Golbery não toma jeito"

O jornalista Elio Gaspari defende as suas teses principalmente a partir da falsificação da posição dos seus adversários de opinião. Para defendê-las, sempre desqualifica os seus adversários com textos de estilo ferino, que não raro beiram a difamação. Já fui alvo algumas vezes das suas distorções e falsificações, mas sobre este tema da reforma política preciso responder formalmente, porque se trata de um assunto extremamente relevante para o aperfeiçoamento democrático do país. Elio Gaspari quer que os eleitores não saibam quem vão eleger. O artigo é de Tarso Genro.

Como Elio Gaspari foi do velho Partidão e depois se tornou confidente do General Golbery, fazendo, a partir daí, uma carreira de jornalista mordaz e corregedor de todos os hábitos do país, ele se dá o direito de não só inventar tolices nas suas colunas, como também enganar os mais desavisados.

Defende as suas teses principalmente a partir da falsificação da posição dos seus adversários de opinião. Para defendê-las, Elio sempre desqualifica os seus adversários com textos de estilo ferino, que não raro beiram a difamação. Os que se sentem agredidos raramente se defendem, não só porque ele não publica as respostas na sua coluna, mas porque talvez temam despertar nele uma ira ainda maior, que também não abre espaços para o contraditório.

Já fui alvo algumas vezes das suas distorções e falsificações, mas sobre este tema da reforma política preciso responder formalmente, porque se trata de um assunto extremamente relevante para o aperfeiçoamento democrático do país, sobre o qual existem divergências elevadas, tanto dentro da esquerda como da direita democrática.

A estratégia usada por Elio Gaspari para promover suas crônicas foi muito comum na época da ditadura, quando o SNI - através de articulistas cooptados - recheava de informações manipuladas a grande imprensa, sobre a “subversão” e as “badernas estudantis”. O regime tentava, desta forma, tanto manter o controle da opinião pública, como dividir a oposição legal e a clandestina, num cenário em que povo já estava cansado do regime. Elio Gaspari parece que se contaminou com este vício e combinou-o com uma arrogância olímpica: desqualifica todo mundo, não respeita ninguém, o que pode significar uma volúpia de desrespeito a si mesmo, ensejada pela sua trajetória como jornalista com idéias muito próximas de um ceticismo anarco-direitista.

Vários dirigentes políticos, tanto da oposição como da situação - da direita e da esquerda - que não estão satisfeitos com o sistema político atual, debatem uma saída: uma reforma política para melhorar a democracia no país. Todos sabemos que não existe um sistema ideal e perfeito, mas que é possível uma melhora no sistema atual, que pode tornar mais decente a representação e os próprios partidos. Este debate para melhorar a democracia e dar maior coerência ao sistema de representação tem despertado a santa ira de Elio Gaspari, que dispara para todos os lados, mas nunca diz realmente qual é a sua posição sobre o assunto.

No seu artigo “O comissariado não toma jeito”, no qual sou citado nominalmente como defensor de fisiologismos, ele atinge o auge na deformação das opiniões de pessoas que ele não concorda. Vincula, inclusive de maneira sórdida estas opiniões a dirigentes políticos condenados na ação penal 470, para aproveitar a onda midiática que recorre diariamente a estas condenações, não só para desmoralizar a política e os partidos, mas para tentar recuperar os desastrados anos do projeto neoliberal no país, nos quais, como todos sabemos, não ocorreu nenhuma corrupção ou fisiologismo.

As deformações de Elio são explícitas quando ele examina dois pontos importantes da reforma política: o “voto em lista fechada” e o “financiamento público” das campanhas eleitorais. Sobre o voto em lista “fechada” ele argumenta, em resumo, que a “escolha deixa de ser do eleitor”, que vota numa lista preparada pelo Partido, que captura o seu direito de escolha.

Pergunto: será que Elio não sabe que a escolha na “lista aberta” (sistema atual), é feita, também, a partir de uma relação de nomes que é organizada pelos Partidos? E mais: será que Elio não sabe que a diferença entre um e outro sistema é que, no atual, o voto vai para a “fundo” de votos da legenda e acaba premiando qualquer um dos mais votados da lista, sem o mínimo nexo com a vontade do eleitor? Repito, qualquer um da lista, sem que o eleitor possa saber quem ele está ajudando eleger!

Na lista fechada é exatamente o contrário. O eleitor sabe em quem ele está votando. E sabe da “ordem de preferência”, que o seu voto vai chancelar, a partir do número de votos que o Partido vai amealhar nas eleições. O eleitor faz, então, previamente, uma opção partidária - inclusive a partir da qualidade da própria lista que os Partidos apresentaram - e fica sabendo, não só quem compõe a lista do seu partido, mas também a ordem dos nomes que vão ter a preferência do seu voto.

Na lista aberta, ao invés de crescer o poder político dos partidos - que Elio parece desprezar do alto da sua superioridade golberyana - o que aumenta é o poder eleitoral pessoal de candidatos que, neste sistema de lista aberta, carreiam os votos dos eleitores para qualquer desconhecido. Por mais respeito humano que se tenha por figuras folclóricas que ajudam eleger pessoas com meia dúzia de votos, não se pode dizer que a sua influência pessoal possa ser melhor que a influência das comunidades partidárias, por mais defeitos que elas tenham.

A tegiversação sobre o financiamento público das campanhas não é ridícula, porque é simplesmente uma falcatrua argumentativa. Elio diz que este tipo de financiamento não acabará com o “caixa 2” e que tal procedimento vai levar a conta para o povo, que ele chama gentilmente de “patuléia”. Vejamos se estes argumentos são sérios.

Primeiro: ninguém tem a ilusão de acabar com o “caixa 2”, que acompanhará as campanhas, enquanto tivermos eleições. O que devemos e podemos buscar é um sistema que possa diminuí-la, substancialmente, através - por exemplo - de um controle “on line”, de todos os gastos das campanhas, num sistema financiado por recursos conhecidos e previamente distribuídos aos partidos.

Este sistema certamente diminuirá a dependência dos partidos em relação aos empresários e permitirá um controle mais detalhado dos gastos, pois cada partido terá um valor previamente arbitrado, para ser fiscalizado à medida que os recursos forem sendo gastos. Reduzir, portanto, a força do poder econômico sobre as eleições, este é o objetivo central do financiamento público.

Quanto à transferência das despesas para o povo, qualquer aluno do General Golbery - digo aqui da modesta situação de fisiológico que me foi imputada - sabe que as contribuições dadas pelas empresas aos partidos e aos políticos, são “custos” de funcionamento de uma empresa, que integram o preço dos seus produtos e serviços, que são comprados pelo consumidor comum ou pelo Estado.

Quem paga por tudo, sempre, é o povo que trabalha e compra e o Estado que encomenda, compra e paga. O defensor da patuléia, portanto, não está defendendo nem a “viúva” metafórica nem o Estado concreto. Está, sim, defendendo a atual influência do poder econômico sobre os processos eleitorais, de uma forma aparentemente moralista, mas concretamente interessada: acha que o sistema assim está bem. Uma forma de fisiologismo altamente disfarçado. O alto comissário do Golbery não toma jeito.

(*) Governador do Rio Grande do