Estatizar ou privatizar
Por Wladimir Pomar- 10/07/12
Parece ainda predominar entre os funcionários de muitas instituições governamentais, assim como numa parcela significativa do povo, a ideia de que, no início dos anos 1990, teria sido visível o esgotamento do chamado modelo estatal. Tal esgotamento teria sido a causa da política de privatização das empresas estatais, trazendo novo afluxo de capitais para o país e a interação dessas novas empresas privadas com grupos industriais e financeiros, dando dinâmica ao mercado e aumentando a eficiência das empresas.
Essas parcelas de funcionários e da população não conseguem explicar, por exemplo, por que a privatização não conseguiu fazer com que as siderúrgicas não avançassem na produção de perfis de alta tecnologia e novos tipos de aço demandados pela construção de ferrovias de alta densidade e velocidade de trafego, e pela exploração submarina profunda. Nem por que, num período em que as demandas internacionais de aços cresceram de forma explosiva, a participação brasileira no mercado mundial caiu, embora a maior parte de seu aço fosse para a exportação, com taxas subsidiadas. Ou por que, das 43 empresas siderúrgicas existentes em 1990, tenham sobrado 27 usinas, controladas por apenas 8 grupos privados.
Na verdade, as privatizações atenderam às pressões das corporações transnacionais para incorporar fortes concorrentes nacionais a seus ativos, ou para eliminá-los. O caso do setor químico é emblemático. A estatal Companhia Nacional de Álcalis simplesmente foi fechada, encerrando a fabricação do carbonato neutro de sódio, que passou a ser importado. As empresas de fibras sintéticas foram totalmente desarticuladas e re-localizadas em outros países, deixando de produzir no Brasil. Embora a Petrobras esteja presente na petroquímica, através da Braskem, e várias empresas nacionais fabriquem os princípios ativos dos remédios genéricos, cujas patentes se tornaram públicas, o setor químico é oligopolizado por um pequeno grupo de multinacionais como a Fosfertil (que era estatal), Bunge, Unigel, Dow e Basf. Esse oligopólio impõe ao Brasil a importação de mais de 20 bilhões de dólares anuais em produtos químicos necessários à indústria e à agricultura.
Uma avaliação mais precisa do processo de privatização poderia trazer à tona os vários aspectos da desindustrialização, desnacionalização e imposição do atraso tecnológico ao Brasil dos anos 1990, também responsável pelo desemprego e o crescimento da miséria. Nessa mesma década, Índia, China, Coréia e outros países asiáticos realizaram um salto industrial e agrícola, adensando cadeias produtivas, gerando milhões de novos postos de trabalho e, uns mais, outros menos, retirando milhões de pessoas da situação da miséria. Fizeram isso através de uma combinação complexa entre empresas estatais e empresas privadas, e entre empresas nacionais e corporações estrangeiras.
Os governos brasileiros do período, porém, foram convencidos de que o modelo estatal estava esgotado e precisava ser liquidado. Com isso, quase liquidaram o país, como ficou evidente na crise de 1998. Salvaram-se a Petrobras, as principais estatais elétricas e os principais bancos públicos. Essas estatais estão desempenhando um papel chave para o Brasil retomar o desenvolvimento econômico e social em termos sustentáveis. Mas elas são insuficientes para permitir ao país um ritmo de desenvolvimento mais firme. Não é por acaso, portanto, que essa questão retornou à pauta do debate sobre o desenvolvimento econômico e social.
A novidade nesse debate é o surgimento de correntes de opinião que acusam a esquerda no governo de estar despreparada para o debate social e a respeito das mudanças socioambientais, por haver abandonado a proposta de estatização dos grandes monopólios. Sugerem que somente essa estatização permitiria ao Estado ter em suas mãos a capacidade de investimento público e de produzir a maior parte do excedente social, que deixaria de se destinar ao lucro e passaria a responder a reais finalidades sociais. E reclamam a inexistência de forças com expressão social e política que preconizem, como meio de enfrentar a crise atual, a nacionalização ou estatização dos meios de produção e troca.
Em outras palavras, diante da incapacidade capitalista em resolver os problemas socioambientais, o que essas correntes sugerem é retomar o caminho de estatização completa dos meios de produção e de troca, independentemente do nível de desenvolvimento desses meios, e de capacitação e organização da força de trabalho. Esquecem que essa tentativa de estatização completa dos meios de produção e da força de trabalho se mostrou historicamente trágica em países de médio ou baixo desenvolvimento capitalista. É verdade que países com alto desenvolvimento de suas forças produtivas, como Estados Unidos, Alemanha, Japão, França, Suécia e alguns outros, podem ingressar com sucesso num processo de estatização dos grandes monopólios. No entanto, mesmo aí talvez a estatização ainda não possa ser total, tendo que conviver com vários aspectos do mercado por algum tempo.
No Brasil, o que se coloca hoje não é nem mesmo a estatização ou nacionalização dos monopólios, entre outros motivos porque não há força social e política (aqui incluída a força militar) para impor tal processo.
O que se pode e se deve buscar é a recriação, ou criação, de empresas estatais nas áreas estratégicas, em especial naquelas fundamentais para o desenvolvimento econômico e social do país, como é o caso da química, inorgânica e orgânica, siderurgia, metalurgia, máquinas-ferramentas, eletrônica, aeroespacial e nanotecnologia. Por outro lado, é preciso intensificar a concorrência, aumentando o número de empresas nos setores hoje oligopolizados, rompendo os oligopólios com as ferramentas do próprio mercado, e ampliando a democratização do capital, como é o caso dos setores automobilístico, farmacêutico, construção pesada e agricultura de alimentos.
Nesse sentido, o problema da esquerda no governo talvez não consista em estar despreparada diante da necessidade de estatizar os grandes monopólios. Talvez seu principal problema consista em não estar preparada para a imperiosidade de articular os instrumentos estatais com os instrumentos privados, de alta e baixa tecnologia. Uma articulação que deve comportar uma crescente disputa pelo aumento do emprego, ou do crescimento quantitativo e qualitativo da classe assalariada, com a redistribuição de renda, proteção ambiental, acesso à educação, à saúde e à cultura.
Nessa disputa, não basta que os instrumentos estatais se mostrem transparentemente superiores aos instrumentos privados em termos econômicos, sociais e ambientais. Será necessário levar em conta que ela não será resolvida apenas no terreno econômico, mas fundamentalmente no terreno da luta social e política de classes, tendo como central a questão do poder