27 de setembro de 2012

MUNICÍPIO SOCIALISTA, NA ESPANHA, RESISTE À CRISE

Município socialista na Espanha resiste à crise

Desdeque conseguiu a desapropriação de terras improdutivas a partir da pressão dos moradores, Marinaleda implementou um modelo cooperativista de produção que envolve rodízio na lavoura e na indústria e hoje sustenta índices de emprego mais elevados do que os da Espanha. Segundo a prefeitura, o desemprego não passa de 4%, enquanto a oposição diz que chega a 14%. Seja como for, são números muito inferiores aos 25% do país.

Marinaleda - Quando em 2008 a crise do sistema financeiro dos Estados Unidos chegou à Europa, causando também recessão nos países do Velho Mundo, cerca de 200 jovens migraram a Marinaleda, um pequeno povoado espanhol no coração da Andaluzia.

Parte deles voltava para casa depois de ter perdido o trabalho na construção civil, que era então o grande setor em expansão no país ibérico e cuja bolha explodiu com a falta de crédito na economia a partir da quebra de bancos norte-americanos. Outros vinham em busca do El Dorado espanhol: a festejada terra do pleno emprego propagandeada pela administração municipal.

A fama da cidade, entretanto, não tem nada de milagroso ou mítico. É fruto de três décadas de uma briga comprada por toda a população e liderada pelo líder sindical Juan Manuel Sánchez Gordillo: a reforma agrária.

Marinaleda perdeu a metade de seus habitantes durante a ditadura do general Francisco Franco. A pobreza a que estavam condicionados os que ficaram fez com que se gestasse no íntimo dessa sociedade um desejo de mudança que não foi saciado com o retorno da democracia no final dos anos 70.

Organizados em torno do Sindicato de Obreros del Campo, criado em 1977, os trabalhadores rurais iniciaram uma sistemática ocupação de terras improdutivas nos arredores da cidade, exigindo que fossem repartidas para que todos pudessem trabalhar. A luta mais conhecida de todas é a origem da boa reputação de Marinaleda: a fazenda de El Humoso.

“Todas as manhãs caminhávamos 8 quilômetros entre o centro urbano e a estância. Logo que nos instalávamos, vinha a guarda civil nos correr de lá. Em alguns casos eram bem violentos; chegaram a cortar as árvores para que não tivéssemos sombra para descansar”, lembra o agricultor Joaquin Juan Diaz, hoje um dos sócios de uma das cooperativas responsáveis pela produção em El Humoso.

“Mas não nos assuntavam: na manhã seguinte, marchávamos até lá novamente e a polícia nos mandava embora, mas voltávamos no dia seguinte, e no outro, e no outro, e no outro”, recorda, admirando o horizonte de oliveiras que hoje é (também) sua propriedade.

El Humoso pertencia ao Duque do Infantado, que assim como essa, possuía outras tantas terras no sul da Espanha. A maior parte delas improdutiva. “Era muito comum durante a guerra da Reconquista, no século XV, que os reis dessem terras como pagamento aos que lutavam por eles contra os mouros, no sul”, explica o deputado e porta-voz do grupo parlamentário da Esquerda Unida da Andaluzia, José Antonio Castro.

As caminhadas diárias – e os confrontos contra a guarda civil – duraram seis anos até que a Junta da Andaluzia decidiu desapropriar parte da terra e deixar que os moradores a explorassem. O primeiro que fizeram foi pintar no muro externo da propriedade a frase que retocam ano a ano com denodo. “Essa fazenda é para os trabalhadores desempregados de Marinaleda”.

Em seguida dividiram-se em oito cooperativas e com os subsídios estatais compraram máquinas, ferramentas e sementes para a produção. Oito anos depois deram um novo passo e fundaram a primeira agroindústria de propriedade coletiva na cidade, a Humar Alimentos, cujo nome foi criado a partir das iniciais de Humoso e Marinaleda.

“É fundamental colocar os meios de produção nas mãos do agricultor e do operário: assim eles recebem o que é justo pelo seu trabalho e o consumidor paga menos pelo alimento”, costuma discursar Sánchez Gordillo.

Jornada igual para todosAs duas iniciativas associativistas de Marinaleda são o que garantem que em 2012 o município sustente taxas de desemprego bastante menores que os nacionais. Segundo a prefeitura, os parados na cidade não passam de 4%, enquanto a oposição defende que chegam a 14%.

De uma maneira ou outra, são números muito inferiores aos 25% da população espanhola que não consegue trabalho em plena crise. “O campo se caracteriza por não ter índices estáveis de ocupação. É verdade que há meses em que o desemprego é nulo na cidade. Mas há épocas de menor atividade tanto na fazenda como na agroindústria”, pondera Joaquin Diaz.

Entre 70 e 120 cooperativados trabalham de maneira fixa o ano todo na lavoura e na agroindústria. Em períodos de entressafra, eles aproveitam para fazer a manutenção de equipamentos, limpeza dos campos, a contabilidade.

Por este serviço recebem 1.200 euros mensais, o mesmo salário dos funcionários públicos e do próprio Sánchez Gordillo, eleito nove vezes prefeito entre 1979 e 2011 – ele nunca recebeu pelo cargo eletivo municipal, era remunerado como professor de História e nos últimos anos como deputado da Andaluzia.

Quando há carga extra, se contrata por jornada homens e mulheres na cidade. O cenário laboral de Marinaleda se complicou a partir de 2008 não apenas pela retração da economia, que reduz os preços pagos pelos grandes distribuidores – as multinacionais, que são o alvo do momento dos protestos na cidade – e a demanda dos consumidores. Com o retorno dos jovens que haviam ido para a cidade e a chegada de migrantes de outras regiões, há mais competição na hora de conseguir um trabalho.

O que não significa que haverá mais desempregados, senão que cada um trabalhará menos horas, conforme explica a vice-prefeita de Marinaleda, Esperanza Saavedra Martín: “Se há necessidade de 100 agricultores para 20 dias de trabalho e são 100 candidatos, cada um vai trabalhar 20 dias. Mas se 200 pessoas se apresentarem, cada uma vai ir para o campo durante 10 dias”.

Outra diferença com relação aos plantios tradicionais é que tanto El Humoso como a Humar Alimentos pagam uma diária única para todos os seus trabalhadores: 47 euros por jornada, sem fazer distinção entre a função e até mesmo a produtividade de cada um.

É folclórica, aliás, uma fala de Sánchez Gordillo durante uma assembleia na qual queixavam-se alguns trabalhadores da falta de comprometimento e de efetividade de outros colegas. “Se há quem trabalha menos, os que podem produzir mais devem fazer o dobro de esforço a que estão costumados para ajudar a estes companheiros”.

O trabalho se reparte através de sorteios nas assembleias públicas do município. Embora o vereador Hipólito Aires, do Partido Socialista Espanhol (PSOE) – que em Marinaleda faz oposição à sigla no poder, a Esquerda Unida – acrescente que só são incluídos na loteria laboral aqueles que participam das marchas e protestos convocados pelo prefeito. “Cada tipo de atividade política conta um número específico de pontos e só pode apresentar-se para uma vaga aqueles que atingem um mínimo”, denuncia.

Exportação para Venezuela começou neste anoA aposta das cooperativas para que haja ocupação plena durante a maior parte do ano é diversificar a produção. Setembro é o mês da colheita dos pimentões – há três variedades cultivadas em El Humoso, que em seguida são beneficiadas na Humar Alimentos –, e a previsão de Esperanza era que se incorporassem ao contingente fixo das cooperativas entre 300 e 500 trabalhadores durante dois meses. Em seguida será o turno das beterrabas, dos girassóis, do trigo, da alcachofra.

Três vezes ao ano eles recolhem azeitonas do plantio de oliveiras. “Em 2011 colhemos 3,8 milhões de quilos: 3 milhões para a fabricação de azeite e o restante de azeitonas de mesa”, contabiliza Manuel Martín Fernández, que em um domingo se dedicava a limpar os tanques de estocagem do líquido, que em breve receberia a parte da produção de setembro.

A colheita, entretanto, ficou pequena com o início das relações comerciais com a Venezuela, depois que o presidente Hugo Chávez conheceu a história de Marinaleda e de seu prefeito através de uma reportagem na TeleSur. Em 2012 pela primeira vez El Humoso entregou ao país cerca de 70 milhões de litros de azeite, um volume 20 vezes superior ao que a fazenda produz.

A saída foi se associar com cooperativas de municípios vizinhos que seguissem parâmetros de produção e de trabalho semelhantes aos de Marinaleda. “Tem que pagar bem o agricultor que recolhe azeitona e o empregado da fábrica, e possuir uma qualidade como a nossa, pois não misturamos 'orujo' no nosso azeite”, completa Joaquin Díaz.

“É muito importante que haja solidariedade prática entre os países, entre as cooperativas, entre os distintos grupos. Ainda mais num momento difícil como esse”, reflete Gordillo, referindo-se ao momento de crise. Ele planeja estabelecer relações semelhantes com Nigarágua, Equador e Bolívia. “Seria uma boa ideia que o projeto Alba se estendesse pelo sul da Europa”, conclui.

Apesar da ajuda bem-vinda de Chávez, o prefeito defende um modelo misto de sustentabilidade da produção, em que o mercado interno também seja atendido, numa relação direta entre produtor, pequeno comércio e consumidor

POVOADO ESPANHOL DE 2.000 HABITANTES ESTÁ NO MAPA-MUNDI DA ESQUERDA

Povoado espanhol de 2 mil habitantes está no mapa-mundi da esquerda

Parceira de Cuba e Venezuela, Marinaleda atrai jornalistas e curiosos de todos os cantos do planeta que desejam conhecer o sistema de participação baseado em assembleias, a divisão do trabalho na fazenda ocupada de El Humoso a distribuição de casas populares que evita a especulação imobiliária. Carta Maior contará em detalhes a história de luta deste povoado espanhol em uma série de reportagens a partir dessa segunda-feira. A reportagem é de Naira Hofmeister e Guilherme Kolling, direto de Marinaleda, Espanha.

Marinaleda - No bar do Sindicato de Obreros del Campo (SOC), em Marinaleda, nenhum frequentador respeita a proibição de fumar em locais fechados. Este município de 2 mil habitantes no sul da Espanha tem suas regras próprias e muitas divergem das oficiais editadas pelo Parlamento Nacional e pelo Rei Juan Carlos. Sua majestade, por exemplo, não ocupa a foto ao centro do gabinete do prefeito, Juan Manuel Sánchez Gordillo.

Emoldurado na parede aparece Che Guevara, enquanto detrás de sua mesa, a bandeira da República espanhola acompanha os estandartes da cidade e da Andaluzia, comunidade autônoma a que pertence. “Nosso escudo não tem coroa pela simples razão de que somos republicanos e portanto ninguém pintaria aqui um símbolo monárquico”, justifica o texto na página oficial de Marinaleda.

Se dois forasteiros entram no bar do SOC, ninguém pergunta o que eles vieram fazer ali, como se poderia imaginar que pudesse acontecer em uma minúscula cidade cortada pela estrada A-388 e que não possui nenhum castelo, palácio ou jardim famoso que atraia turistas. “De que país são vocês? Jornalistas, não é?”, dispara o produtor rural Pepele Cordejo, evidenciando a atração que o povoado provoca em profissionais da imprensa e outros curiosos.

De fato, a visita da equipe de Carta Maior a Marinaleda coincidiu com a de um repórter francês da revista L'Humanité Dimanche em um final de semana de setembro. No mês anterior, o município e seu prefeito apareceram em matérias da revista norte-americana Time e do diário inglês Financial Times. Outro periódico de Londres, The Guardian, elegeu Sánchez Gordillo “um dos cinco exemplos de desobediência civil” dos últimos tempos, colocando-o ao lado do líder independentista indiano Mahatma Gandhi.

É certo que ambos compartilharam do mesmo método, a greve de fome, para fazer valer suas reivindicações. Em Marinaleda a estratégia foi aplicada pela primeira vez em 1980, nos primeiros anos de democracia depois da longa ditadura do general Francisco Franco. O município espanhol, porém, recorreu ainda a táticas menos passivas para conseguir a desapropriação de uma fazenda que hoje é administrada por cooperativas de moradores da localidade.

A conquista de El HumosoBasta citar o assunto da luta pela terra perto do balcão do bar do SOC para atrair a vários frequentadores, todos participantes de alguma atividade relacionada com a desapropriação de El Humoso. Alguns eram ainda crianças quando os pais se rebelaram contra os latifundiários que não produziam em suas propriedades.

Instigada pelo já prefeito Sánchez Gordillo, que desde 1979 não perde uma eleição em Marinaleda, a população iniciou um movimento de ocupação de terras massivo que durou sete anos. Primeiro tomaram um pântano na cidade vizinha de Cordobilla para exigir que o Estado levasse água até a propriedade de El Humoso, que então pertencia ao Duque do Infantado e era improdutiva.

Logo veio a pressão para desapropriar a fazenda. A Junta da Andaluzia comprou uma parte expressiva da área, 1.200 hectares, que passaram a ser geridos pelos trabalhadores.

Hoje, 21 anos depois da conquista das terras, essa porção de chão é o que garante que Marinaleda sobreviva à crise econômica que assola a Espanha, mantendo uma taxa de desemprego bastante inferior à nacional. O trabalho, sazonal, é repartido de maneira que todos os interessados contribuam com o mesmo número de horas na lide do campo, recebendo um salário também idêntico.

Talvez traumatizados com a repressão das forças de segurança do governo durante o período de ocupações de terra, os habitantes de Marinaleda decidiram abrir mão desse serviço na cidade. Não há um só policial nas ruas.

Administração socialistaO bar do SOC e o próprio sindicato ocupam um sobrado branco com janelas e portas pintadas de verde que abriga ainda o auditório do pleno da assembleia de Marinaleda, um órgão consultivo no qual todos os moradores devem tomar assento quando é convocado.

Nessas reuniões se reparte o trabalho na fazenda de El Humoso e na Humar Agroindústria, também de propriedade das cooperativas. Entre outras coisas é onde se decide quem poderá ocupar cada uma das casas populares construídas coletivamente entre os habitantes sobre terrenos doados pela prefeitura, para evitar a especulação imobiliária e permitir que todos tenham direito à moradia digna.

É também na assembleia que se faz a última etapa da discussão do orçamento participativo - em vigor desde 1979 em Marinaleda - e onde se decide, por exemplo, eventuais subidas de impostos ou modificações na jornada laboral. “Qualquer tema ou problema relativo à cidade levamos à assembleia, em todos os assuntos. Pensamos que a melhor maneira de decidir é coletivamente”, justifica o prefeito.

Oposição inexpressivaNo bar do SOC todos são de esquerda, inclusive aqueles que possuem propriedade privada, como Pepele. Ele, entretanto, não se atreve a participar das assembleias porque diz que seria mal visto pelos conterrâneos.

Juan Manuel Sánchez Gordillo conduz pessoalmente cada uma das discussões públicas, o que faz com que receba críticas de uns poucos moradores pelo excesso de personalismo que confere à cena política local.

Os integrantes da oposição supostamente se reúnem em outro estabelecimento para tomar suas cervejas e aperitivos enquanto conspiram contra a situação. O local, entretanto, esteve fechado durante os três dias em que estivemos na cidade. Pelas ruas poucos se atrevem a desafiar o sistema implementado pelo prefeito; se o fazem, pedem sigilo sobre sua identidade.

Curioso é que até a oposição em Marinaleda é de esquerda. Entre os 11 vereadores há dois contrários ao governo de Gordillo. São do Partido Socialista (PSOE), embora opinem que o sistema de assembleísmo é desnecessário e defendam que as pessoas devem ter “liberdade para não se unir às marchas e protestos”.

Do conservador Partido Popular (PP), sigla do presidente do governo espanhol Mariano Rajoy, não há nem sinal. Assim como os conservadores, jovens e mulheres também são uma espécie rara neste estabelecimento da cidade.

Arte subversivaO ambiente do bar do SOC é igual à maioria dos botecos espanhóis: meia luz, televisão num volume bastante elevado, senhores jogando dominó e tomando “chupitos”, “cañas” e cafés. Ao fundo, entretanto, chama a atenção do visitante uma exposição de fotografias intitulada “Espólio e massacre da Palestina”.

A luta dos palestinos por um território próprio é assunto recorrente na cidade: foi tema da festa anual do povoado em 2008 e também se destaca na fachada de alguns prédios públicos de Marinaleda. Os murais formam um conjunto de pinturas políticas de apoio ao comunismo, realizadas por delegações internacionais que visitaram o município. É uma versão às avessas do East Side Gallery do muro de Berlim.

Ali estão desenhos assinados por espanhóis de diferentes cidades, europeus de países em crise – como a Grécia – e, é claro, de Cuba e Venezuela, cuja relação com Marinaleda é tão estreita que a televisão pública do município retransmite a programação de TeleSur e Cubavisión quando não há grade própria.

Carta Maior contará em detalhes a história de luta deste povoado espanhol em uma série de reportagens a partir dessa segunda-feira

23 de setembro de 2012

Manter a jurisprudência sem os holofotes

http://pagina13.org.br
Por Maria Cristina Fernandes – 21/09/12

O impeachment de Collor nasceu da entrevista do irmão. O mensalão, daquela entrevista de Roberto Jefferson. A acusação de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o chefe da quadrilha do mensalão não tem autoria.

O publicitário Marcos Valério, identificado como autor da acusação, não a assumiu. E seu advogado nega que tenha falado.

O áudio da entrevista pode existir, mas o fato de a revista de maior circulação do país ter publicado capa com uma acusação dessa gravidade sem autoria mostra que o julgamento ora em curso no Supremo tem consequências que extrapolam a dosimetria das penas.
Punição resistirá às pressões contra o mercado engessado?

Se os juízes, pelas indicações do relator no capítulo político do julgamento condenarem por indícios, por que um jornalista precisaria de fonte para publicar uma acusação?

Não é de hoje que se abusa do off, recurso legítimo do jornalismo que protege fontes com informações valiosas em nome do interesse público.

Mas na acusação em curso, paira no ar a dúvida sobre a que público serve a acusação anônima na reta final de uma campanha eleitoral definidora dos exércitos de 2014.

Essa relação nebulosa entre noticiário e interesse público não passa despercebida de quem está na arquibancada.

Repousa esquecida em cruzamentos de uma pesquisa Datafolha (10/08) a avaliação sobre a cobertura do mensalão: 46% dizem que a imprensa tem sido parcial – e 39% a julgam imparcial.


Não dá para atribuir o dado às massas ignaras do lulismo. Quanto maior a escolaridade, maior a percepção. Dos entrevistados que passaram pela universidade, 53% julgam a imprensa parcial. Entre aqueles que têm apenas o ensino fundamental, 41% compartilham a impressão.

Não parece haver dúvidas de que o julgamento tem inovado na interpretação da lei. Mas para aquilatar seu real impacto sobre o combate à corrupção resta saber se a jurisprudência será seguida à risca quando os holofotes se apagarem.

Para reverter a má-fama angariada, a imprensa terá que se dedicar com igual afinco ao julgamento da montanha de casos de corrupção que se acumulam nos tribunais.

Foi graças aos jornalistas que se conheceram os grandes escândalos de corrupção no governo Fernando Henrique Cardoso – Sivam, grampos do BNDES na privatização da Telebras, caso Marka/FonteCindam e, o maior deles, a aprovação da emenda da reeleição.

Ministros foram defenestrados e contratos foram cancelados, mas o entendimento era outro sobre a persecução penal dos envolvidos. Do desdobramento desses casos não se colhe o mais leve indício de que a tese do domínio do fato pudesse um dia vir a evoluir para a interpretação que ganha terreno no Supremo e facilita a condenação de quem está no topo de hierarquias de poder.

A imprensa também será desafiada a manter o arrojo com que se empenha na atual cobertura quando a aplicação dessa jurisprudência se voltar para o setor privado, muito menos aberto à investigação jornalística que o público.

O segundo capítulo do julgamento, que condenou os banqueiros, impôs um padrão de austeridade inédito, por exemplo, na gestão do risco bancário. Para punir um dirigente de empresa não será preciso provar delito maior que a omissão no cumprimento do dever.

Uma coisa é enquadrar o banco Rural, que já havia se tornado um pária no mercado desde o envolvimento em intermediações financeiras com o governo a partir da era Collor.

Outra coisa é aplicar a nova jurisprudência a grandes empresas e bancos. A sanha punitiva – e jornalística – resistirá ao argumento, para além da coerção verbal, de que o mercado, engessado, é um freio ao desenvolvimento econômico?

O que dizer, também, da ameaça de reversão das reformas aprovadas com os votos que o ministro relator assevera terem sido comprados? Bárbara Pombo conta hoje no Valor (pág. E1) que advogados já se movimentam nesse sentido.

Se a oposição conseguir voltar ao poder, o presidente que eleger pode se ver na contingência de defender a constitucionalidade das reformas tributária e previdenciária que seu partido acusou, com o possível beneplácito do Judiciário, de terem sido compradas.

Na hipótese ainda improvável de a mudança na jurisprudência trazer ameaça real ao estabelecido, a reforma do Código Penal sempre pode ser uma saída para fechar a porteira aberta por este julgamento.

O anteprojeto de reforma do código, gestado no gabinete do presidente do Senado, José Sarney, precede o julgamento do mensalão e não se remete aos seus resultados. Mas nada impede que, uma vez iniciada sua tramitação, o texto possa ser abrigo das pressões que devolveriam o país ao seu curso natural de leniência com a corrupção dos donos do poder. E sem exceções.

Ainda não se sabe se o mensalão é a causa para a queda do candidato do PT, Fernando Haddad, nas pesquisas, mas, a julgar pelo Datafolha, a exploração do caso ainda não parece ter surtido os efeitos esperados sobre o PT em São Paulo. Questionados como veriam um próximo prefeito do PRB, do PSDB ou do PT, os entrevistados disseram o seguinte: 15% achariam “ótimo ou bom” se o eleito fosse do PRB; 25% disseram o mesmo de um tucano no poder; e 33% de um petista.

*Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

E-mail: mcristina.fernandes@valor.com.br

Manter a jurisprudência sem os holofotes

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Por Maria Cristina Fernandes – 21/09/12

O impeachment de Collor nasceu da entrevista do irmão. O mensalão, daquela entrevista de Roberto Jefferson. A acusação de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o chefe da quadrilha do mensalão não tem autoria.

O publicitário Marcos Valério, identificado como autor da acusação, não a assumiu. E seu advogado nega que tenha falado.

O áudio da entrevista pode existir, mas o fato de a revista de maior circulação do país ter publicado capa com uma acusação dessa gravidade sem autoria mostra que o julgamento ora em curso no Supremo tem consequências que extrapolam a dosimetria das penas.
Punição resistirá às pressões contra o mercado engessado?

Se os juízes, pelas indicações do relator no capítulo político do julgamento condenarem por indícios, por que um jornalista precisaria de fonte para publicar uma acusação?

Não é de hoje que se abusa do off, recurso legítimo do jornalismo que protege fontes com informações valiosas em nome do interesse público.

Mas na acusação em curso, paira no ar a dúvida sobre a que público serve a acusação anônima na reta final de uma campanha eleitoral definidora dos exércitos de 2014.

Essa relação nebulosa entre noticiário e interesse público não passa despercebida de quem está na arquibancada.

Repousa esquecida em cruzamentos de uma pesquisa Datafolha (10/08) a avaliação sobre a cobertura do mensalão: 46% dizem que a imprensa tem sido parcial – e 39% a julgam imparcial.


Não dá para atribuir o dado às massas ignaras do lulismo. Quanto maior a escolaridade, maior a percepção. Dos entrevistados que passaram pela universidade, 53% julgam a imprensa parcial. Entre aqueles que têm apenas o ensino fundamental, 41% compartilham a impressão.

Não parece haver dúvidas de que o julgamento tem inovado na interpretação da lei. Mas para aquilatar seu real impacto sobre o combate à corrupção resta saber se a jurisprudência será seguida à risca quando os holofotes se apagarem.

Para reverter a má-fama angariada, a imprensa terá que se dedicar com igual afinco ao julgamento da montanha de casos de corrupção que se acumulam nos tribunais.

Foi graças aos jornalistas que se conheceram os grandes escândalos de corrupção no governo Fernando Henrique Cardoso – Sivam, grampos do BNDES na privatização da Telebras, caso Marka/FonteCindam e, o maior deles, a aprovação da emenda da reeleição.

Ministros foram defenestrados e contratos foram cancelados, mas o entendimento era outro sobre a persecução penal dos envolvidos. Do desdobramento desses casos não se colhe o mais leve indício de que a tese do domínio do fato pudesse um dia vir a evoluir para a interpretação que ganha terreno no Supremo e facilita a condenação de quem está no topo de hierarquias de poder.

A imprensa também será desafiada a manter o arrojo com que se empenha na atual cobertura quando a aplicação dessa jurisprudência se voltar para o setor privado, muito menos aberto à investigação jornalística que o público.

O segundo capítulo do julgamento, que condenou os banqueiros, impôs um padrão de austeridade inédito, por exemplo, na gestão do risco bancário. Para punir um dirigente de empresa não será preciso provar delito maior que a omissão no cumprimento do dever.

Uma coisa é enquadrar o banco Rural, que já havia se tornado um pária no mercado desde o envolvimento em intermediações financeiras com o governo a partir da era Collor.

Outra coisa é aplicar a nova jurisprudência a grandes empresas e bancos. A sanha punitiva – e jornalística – resistirá ao argumento, para além da coerção verbal, de que o mercado, engessado, é um freio ao desenvolvimento econômico?

O que dizer, também, da ameaça de reversão das reformas aprovadas com os votos que o ministro relator assevera terem sido comprados? Bárbara Pombo conta hoje no Valor (pág. E1) que advogados já se movimentam nesse sentido.

Se a oposição conseguir voltar ao poder, o presidente que eleger pode se ver na contingência de defender a constitucionalidade das reformas tributária e previdenciária que seu partido acusou, com o possível beneplácito do Judiciário, de terem sido compradas.

Na hipótese ainda improvável de a mudança na jurisprudência trazer ameaça real ao estabelecido, a reforma do Código Penal sempre pode ser uma saída para fechar a porteira aberta por este julgamento.

O anteprojeto de reforma do código, gestado no gabinete do presidente do Senado, José Sarney, precede o julgamento do mensalão e não se remete aos seus resultados. Mas nada impede que, uma vez iniciada sua tramitação, o texto possa ser abrigo das pressões que devolveriam o país ao seu curso natural de leniência com a corrupção dos donos do poder. E sem exceções.

Ainda não se sabe se o mensalão é a causa para a queda do candidato do PT, Fernando Haddad, nas pesquisas, mas, a julgar pelo Datafolha, a exploração do caso ainda não parece ter surtido os efeitos esperados sobre o PT em São Paulo. Questionados como veriam um próximo prefeito do PRB, do PSDB ou do PT, os entrevistados disseram o seguinte: 15% achariam “ótimo ou bom” se o eleito fosse do PRB; 25% disseram o mesmo de um tucano no poder; e 33% de um petista.

*Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

E-mail: mcristina.fernandes@valor.com.br

Manter a jurisprudência sem os holofotes

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Por Maria Cristina Fernandes – 21/09/12

O impeachment de Collor nasceu da entrevista do irmão. O mensalão, daquela entrevista de Roberto Jefferson. A acusação de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o chefe da quadrilha do mensalão não tem autoria.

O publicitário Marcos Valério, identificado como autor da acusação, não a assumiu. E seu advogado nega que tenha falado.

O áudio da entrevista pode existir, mas o fato de a revista de maior circulação do país ter publicado capa com uma acusação dessa gravidade sem autoria mostra que o julgamento ora em curso no Supremo tem consequências que extrapolam a dosimetria das penas.
Punição resistirá às pressões contra o mercado engessado?

Se os juízes, pelas indicações do relator no capítulo político do julgamento condenarem por indícios, por que um jornalista precisaria de fonte para publicar uma acusação?

Não é de hoje que se abusa do off, recurso legítimo do jornalismo que protege fontes com informações valiosas em nome do interesse público.

Mas na acusação em curso, paira no ar a dúvida sobre a que público serve a acusação anônima na reta final de uma campanha eleitoral definidora dos exércitos de 2014.

Essa relação nebulosa entre noticiário e interesse público não passa despercebida de quem está na arquibancada.

Repousa esquecida em cruzamentos de uma pesquisa Datafolha (10/08) a avaliação sobre a cobertura do mensalão: 46% dizem que a imprensa tem sido parcial – e 39% a julgam imparcial.


Não dá para atribuir o dado às massas ignaras do lulismo. Quanto maior a escolaridade, maior a percepção. Dos entrevistados que passaram pela universidade, 53% julgam a imprensa parcial. Entre aqueles que têm apenas o ensino fundamental, 41% compartilham a impressão.

Não parece haver dúvidas de que o julgamento tem inovado na interpretação da lei. Mas para aquilatar seu real impacto sobre o combate à corrupção resta saber se a jurisprudência será seguida à risca quando os holofotes se apagarem.

Para reverter a má-fama angariada, a imprensa terá que se dedicar com igual afinco ao julgamento da montanha de casos de corrupção que se acumulam nos tribunais.

Foi graças aos jornalistas que se conheceram os grandes escândalos de corrupção no governo Fernando Henrique Cardoso – Sivam, grampos do BNDES na privatização da Telebras, caso Marka/FonteCindam e, o maior deles, a aprovação da emenda da reeleição.

Ministros foram defenestrados e contratos foram cancelados, mas o entendimento era outro sobre a persecução penal dos envolvidos. Do desdobramento desses casos não se colhe o mais leve indício de que a tese do domínio do fato pudesse um dia vir a evoluir para a interpretação que ganha terreno no Supremo e facilita a condenação de quem está no topo de hierarquias de poder.

A imprensa também será desafiada a manter o arrojo com que se empenha na atual cobertura quando a aplicação dessa jurisprudência se voltar para o setor privado, muito menos aberto à investigação jornalística que o público.

O segundo capítulo do julgamento, que condenou os banqueiros, impôs um padrão de austeridade inédito, por exemplo, na gestão do risco bancário. Para punir um dirigente de empresa não será preciso provar delito maior que a omissão no cumprimento do dever.

Uma coisa é enquadrar o banco Rural, que já havia se tornado um pária no mercado desde o envolvimento em intermediações financeiras com o governo a partir da era Collor.

Outra coisa é aplicar a nova jurisprudência a grandes empresas e bancos. A sanha punitiva – e jornalística – resistirá ao argumento, para além da coerção verbal, de que o mercado, engessado, é um freio ao desenvolvimento econômico?

O que dizer, também, da ameaça de reversão das reformas aprovadas com os votos que o ministro relator assevera terem sido comprados? Bárbara Pombo conta hoje no Valor (pág. E1) que advogados já se movimentam nesse sentido.

Se a oposição conseguir voltar ao poder, o presidente que eleger pode se ver na contingência de defender a constitucionalidade das reformas tributária e previdenciária que seu partido acusou, com o possível beneplácito do Judiciário, de terem sido compradas.

Na hipótese ainda improvável de a mudança na jurisprudência trazer ameaça real ao estabelecido, a reforma do Código Penal sempre pode ser uma saída para fechar a porteira aberta por este julgamento.

O anteprojeto de reforma do código, gestado no gabinete do presidente do Senado, José Sarney, precede o julgamento do mensalão e não se remete aos seus resultados. Mas nada impede que, uma vez iniciada sua tramitação, o texto possa ser abrigo das pressões que devolveriam o país ao seu curso natural de leniência com a corrupção dos donos do poder. E sem exceções.

Ainda não se sabe se o mensalão é a causa para a queda do candidato do PT, Fernando Haddad, nas pesquisas, mas, a julgar pelo Datafolha, a exploração do caso ainda não parece ter surtido os efeitos esperados sobre o PT em São Paulo. Questionados como veriam um próximo prefeito do PRB, do PSDB ou do PT, os entrevistados disseram o seguinte: 15% achariam “ótimo ou bom” se o eleito fosse do PRB; 25% disseram o mesmo de um tucano no poder; e 33% de um petista.

*Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

E-mail: mcristina.fernandes@valor.com.br

Manter a jurisprudência sem os holofotes

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Por Maria Cristina Fernandes – 21/09/12

O impeachment de Collor nasceu da entrevista do irmão. O mensalão, daquela entrevista de Roberto Jefferson. A acusação de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o chefe da quadrilha do mensalão não tem autoria.

O publicitário Marcos Valério, identificado como autor da acusação, não a assumiu. E seu advogado nega que tenha falado.

O áudio da entrevista pode existir, mas o fato de a revista de maior circulação do país ter publicado capa com uma acusação dessa gravidade sem autoria mostra que o julgamento ora em curso no Supremo tem consequências que extrapolam a dosimetria das penas.
Punição resistirá às pressões contra o mercado engessado?

Se os juízes, pelas indicações do relator no capítulo político do julgamento condenarem por indícios, por que um jornalista precisaria de fonte para publicar uma acusação?

Não é de hoje que se abusa do off, recurso legítimo do jornalismo que protege fontes com informações valiosas em nome do interesse público.

Mas na acusação em curso, paira no ar a dúvida sobre a que público serve a acusação anônima na reta final de uma campanha eleitoral definidora dos exércitos de 2014.

Essa relação nebulosa entre noticiário e interesse público não passa despercebida de quem está na arquibancada.

Repousa esquecida em cruzamentos de uma pesquisa Datafolha (10/08) a avaliação sobre a cobertura do mensalão: 46% dizem que a imprensa tem sido parcial – e 39% a julgam imparcial.


Não dá para atribuir o dado às massas ignaras do lulismo. Quanto maior a escolaridade, maior a percepção. Dos entrevistados que passaram pela universidade, 53% julgam a imprensa parcial. Entre aqueles que têm apenas o ensino fundamental, 41% compartilham a impressão.

Não parece haver dúvidas de que o julgamento tem inovado na interpretação da lei. Mas para aquilatar seu real impacto sobre o combate à corrupção resta saber se a jurisprudência será seguida à risca quando os holofotes se apagarem.

Para reverter a má-fama angariada, a imprensa terá que se dedicar com igual afinco ao julgamento da montanha de casos de corrupção que se acumulam nos tribunais.

Foi graças aos jornalistas que se conheceram os grandes escândalos de corrupção no governo Fernando Henrique Cardoso – Sivam, grampos do BNDES na privatização da Telebras, caso Marka/FonteCindam e, o maior deles, a aprovação da emenda da reeleição.

Ministros foram defenestrados e contratos foram cancelados, mas o entendimento era outro sobre a persecução penal dos envolvidos. Do desdobramento desses casos não se colhe o mais leve indício de que a tese do domínio do fato pudesse um dia vir a evoluir para a interpretação que ganha terreno no Supremo e facilita a condenação de quem está no topo de hierarquias de poder.

A imprensa também será desafiada a manter o arrojo com que se empenha na atual cobertura quando a aplicação dessa jurisprudência se voltar para o setor privado, muito menos aberto à investigação jornalística que o público.

O segundo capítulo do julgamento, que condenou os banqueiros, impôs um padrão de austeridade inédito, por exemplo, na gestão do risco bancário. Para punir um dirigente de empresa não será preciso provar delito maior que a omissão no cumprimento do dever.

Uma coisa é enquadrar o banco Rural, que já havia se tornado um pária no mercado desde o envolvimento em intermediações financeiras com o governo a partir da era Collor.

Outra coisa é aplicar a nova jurisprudência a grandes empresas e bancos. A sanha punitiva – e jornalística – resistirá ao argumento, para além da coerção verbal, de que o mercado, engessado, é um freio ao desenvolvimento econômico?

O que dizer, também, da ameaça de reversão das reformas aprovadas com os votos que o ministro relator assevera terem sido comprados? Bárbara Pombo conta hoje no Valor (pág. E1) que advogados já se movimentam nesse sentido.

Se a oposição conseguir voltar ao poder, o presidente que eleger pode se ver na contingência de defender a constitucionalidade das reformas tributária e previdenciária que seu partido acusou, com o possível beneplácito do Judiciário, de terem sido compradas.

Na hipótese ainda improvável de a mudança na jurisprudência trazer ameaça real ao estabelecido, a reforma do Código Penal sempre pode ser uma saída para fechar a porteira aberta por este julgamento.

O anteprojeto de reforma do código, gestado no gabinete do presidente do Senado, José Sarney, precede o julgamento do mensalão e não se remete aos seus resultados. Mas nada impede que, uma vez iniciada sua tramitação, o texto possa ser abrigo das pressões que devolveriam o país ao seu curso natural de leniência com a corrupção dos donos do poder. E sem exceções.

Ainda não se sabe se o mensalão é a causa para a queda do candidato do PT, Fernando Haddad, nas pesquisas, mas, a julgar pelo Datafolha, a exploração do caso ainda não parece ter surtido os efeitos esperados sobre o PT em São Paulo. Questionados como veriam um próximo prefeito do PRB, do PSDB ou do PT, os entrevistados disseram o seguinte: 15% achariam “ótimo ou bom” se o eleito fosse do PRB; 25% disseram o mesmo de um tucano no poder; e 33% de um petista.

*Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

E-mail: mcristina.fernandes@valor.com.br

Manter a jurisprudência sem os holofotes

http://pagina13.org.br
Por Maria Cristina Fernandes – 21/09/12

O impeachment de Collor nasceu da entrevista do irmão. O mensalão, daquela entrevista de Roberto Jefferson. A acusação de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o chefe da quadrilha do mensalão não tem autoria.

O publicitário Marcos Valério, identificado como autor da acusação, não a assumiu. E seu advogado nega que tenha falado.

O áudio da entrevista pode existir, mas o fato de a revista de maior circulação do país ter publicado capa com uma acusação dessa gravidade sem autoria mostra que o julgamento ora em curso no Supremo tem consequências que extrapolam a dosimetria das penas.
Punição resistirá às pressões contra o mercado engessado?

Se os juízes, pelas indicações do relator no capítulo político do julgamento condenarem por indícios, por que um jornalista precisaria de fonte para publicar uma acusação?

Não é de hoje que se abusa do off, recurso legítimo do jornalismo que protege fontes com informações valiosas em nome do interesse público.

Mas na acusação em curso, paira no ar a dúvida sobre a que público serve a acusação anônima na reta final de uma campanha eleitoral definidora dos exércitos de 2014.

Essa relação nebulosa entre noticiário e interesse público não passa despercebida de quem está na arquibancada.

Repousa esquecida em cruzamentos de uma pesquisa Datafolha (10/08) a avaliação sobre a cobertura do mensalão: 46% dizem que a imprensa tem sido parcial – e 39% a julgam imparcial.


Não dá para atribuir o dado às massas ignaras do lulismo. Quanto maior a escolaridade, maior a percepção. Dos entrevistados que passaram pela universidade, 53% julgam a imprensa parcial. Entre aqueles que têm apenas o ensino fundamental, 41% compartilham a impressão.

Não parece haver dúvidas de que o julgamento tem inovado na interpretação da lei. Mas para aquilatar seu real impacto sobre o combate à corrupção resta saber se a jurisprudência será seguida à risca quando os holofotes se apagarem.

Para reverter a má-fama angariada, a imprensa terá que se dedicar com igual afinco ao julgamento da montanha de casos de corrupção que se acumulam nos tribunais.

Foi graças aos jornalistas que se conheceram os grandes escândalos de corrupção no governo Fernando Henrique Cardoso – Sivam, grampos do BNDES na privatização da Telebras, caso Marka/FonteCindam e, o maior deles, a aprovação da emenda da reeleição.

Ministros foram defenestrados e contratos foram cancelados, mas o entendimento era outro sobre a persecução penal dos envolvidos. Do desdobramento desses casos não se colhe o mais leve indício de que a tese do domínio do fato pudesse um dia vir a evoluir para a interpretação que ganha terreno no Supremo e facilita a condenação de quem está no topo de hierarquias de poder.

A imprensa também será desafiada a manter o arrojo com que se empenha na atual cobertura quando a aplicação dessa jurisprudência se voltar para o setor privado, muito menos aberto à investigação jornalística que o público.

O segundo capítulo do julgamento, que condenou os banqueiros, impôs um padrão de austeridade inédito, por exemplo, na gestão do risco bancário. Para punir um dirigente de empresa não será preciso provar delito maior que a omissão no cumprimento do dever.

Uma coisa é enquadrar o banco Rural, que já havia se tornado um pária no mercado desde o envolvimento em intermediações financeiras com o governo a partir da era Collor.

Outra coisa é aplicar a nova jurisprudência a grandes empresas e bancos. A sanha punitiva – e jornalística – resistirá ao argumento, para além da coerção verbal, de que o mercado, engessado, é um freio ao desenvolvimento econômico?

O que dizer, também, da ameaça de reversão das reformas aprovadas com os votos que o ministro relator assevera terem sido comprados? Bárbara Pombo conta hoje no Valor (pág. E1) que advogados já se movimentam nesse sentido.

Se a oposição conseguir voltar ao poder, o presidente que eleger pode se ver na contingência de defender a constitucionalidade das reformas tributária e previdenciária que seu partido acusou, com o possível beneplácito do Judiciário, de terem sido compradas.

Na hipótese ainda improvável de a mudança na jurisprudência trazer ameaça real ao estabelecido, a reforma do Código Penal sempre pode ser uma saída para fechar a porteira aberta por este julgamento.

O anteprojeto de reforma do código, gestado no gabinete do presidente do Senado, José Sarney, precede o julgamento do mensalão e não se remete aos seus resultados. Mas nada impede que, uma vez iniciada sua tramitação, o texto possa ser abrigo das pressões que devolveriam o país ao seu curso natural de leniência com a corrupção dos donos do poder. E sem exceções.

Ainda não se sabe se o mensalão é a causa para a queda do candidato do PT, Fernando Haddad, nas pesquisas, mas, a julgar pelo Datafolha, a exploração do caso ainda não parece ter surtido os efeitos esperados sobre o PT em São Paulo. Questionados como veriam um próximo prefeito do PRB, do PSDB ou do PT, os entrevistados disseram o seguinte: 15% achariam “ótimo ou bom” se o eleito fosse do PRB; 25% disseram o mesmo de um tucano no poder; e 33% de um petista.

*Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

E-mail: mcristina.fernandes@valor.com.br

Manter a jurisprudência sem os holofotes

http://pagina13.org.br
Por Maria Cristina Fernandes – 21/09/12

O impeachment de Collor nasceu da entrevista do irmão. O mensalão, daquela entrevista de Roberto Jefferson. A acusação de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o chefe da quadrilha do mensalão não tem autoria.

O publicitário Marcos Valério, identificado como autor da acusação, não a assumiu. E seu advogado nega que tenha falado.

O áudio da entrevista pode existir, mas o fato de a revista de maior circulação do país ter publicado capa com uma acusação dessa gravidade sem autoria mostra que o julgamento ora em curso no Supremo tem consequências que extrapolam a dosimetria das penas.
Punição resistirá às pressões contra o mercado engessado?

Se os juízes, pelas indicações do relator no capítulo político do julgamento condenarem por indícios, por que um jornalista precisaria de fonte para publicar uma acusação?

Não é de hoje que se abusa do off, recurso legítimo do jornalismo que protege fontes com informações valiosas em nome do interesse público.

Mas na acusação em curso, paira no ar a dúvida sobre a que público serve a acusação anônima na reta final de uma campanha eleitoral definidora dos exércitos de 2014.

Essa relação nebulosa entre noticiário e interesse público não passa despercebida de quem está na arquibancada.

Repousa esquecida em cruzamentos de uma pesquisa Datafolha (10/08) a avaliação sobre a cobertura do mensalão: 46% dizem que a imprensa tem sido parcial – e 39% a julgam imparcial.


Não dá para atribuir o dado às massas ignaras do lulismo. Quanto maior a escolaridade, maior a percepção. Dos entrevistados que passaram pela universidade, 53% julgam a imprensa parcial. Entre aqueles que têm apenas o ensino fundamental, 41% compartilham a impressão.

Não parece haver dúvidas de que o julgamento tem inovado na interpretação da lei. Mas para aquilatar seu real impacto sobre o combate à corrupção resta saber se a jurisprudência será seguida à risca quando os holofotes se apagarem.

Para reverter a má-fama angariada, a imprensa terá que se dedicar com igual afinco ao julgamento da montanha de casos de corrupção que se acumulam nos tribunais.

Foi graças aos jornalistas que se conheceram os grandes escândalos de corrupção no governo Fernando Henrique Cardoso – Sivam, grampos do BNDES na privatização da Telebras, caso Marka/FonteCindam e, o maior deles, a aprovação da emenda da reeleição.

Ministros foram defenestrados e contratos foram cancelados, mas o entendimento era outro sobre a persecução penal dos envolvidos. Do desdobramento desses casos não se colhe o mais leve indício de que a tese do domínio do fato pudesse um dia vir a evoluir para a interpretação que ganha terreno no Supremo e facilita a condenação de quem está no topo de hierarquias de poder.

A imprensa também será desafiada a manter o arrojo com que se empenha na atual cobertura quando a aplicação dessa jurisprudência se voltar para o setor privado, muito menos aberto à investigação jornalística que o público.

O segundo capítulo do julgamento, que condenou os banqueiros, impôs um padrão de austeridade inédito, por exemplo, na gestão do risco bancário. Para punir um dirigente de empresa não será preciso provar delito maior que a omissão no cumprimento do dever.

Uma coisa é enquadrar o banco Rural, que já havia se tornado um pária no mercado desde o envolvimento em intermediações financeiras com o governo a partir da era Collor.

Outra coisa é aplicar a nova jurisprudência a grandes empresas e bancos. A sanha punitiva – e jornalística – resistirá ao argumento, para além da coerção verbal, de que o mercado, engessado, é um freio ao desenvolvimento econômico?

O que dizer, também, da ameaça de reversão das reformas aprovadas com os votos que o ministro relator assevera terem sido comprados? Bárbara Pombo conta hoje no Valor (pág. E1) que advogados já se movimentam nesse sentido.

Se a oposição conseguir voltar ao poder, o presidente que eleger pode se ver na contingência de defender a constitucionalidade das reformas tributária e previdenciária que seu partido acusou, com o possível beneplácito do Judiciário, de terem sido compradas.

Na hipótese ainda improvável de a mudança na jurisprudência trazer ameaça real ao estabelecido, a reforma do Código Penal sempre pode ser uma saída para fechar a porteira aberta por este julgamento.

O anteprojeto de reforma do código, gestado no gabinete do presidente do Senado, José Sarney, precede o julgamento do mensalão e não se remete aos seus resultados. Mas nada impede que, uma vez iniciada sua tramitação, o texto possa ser abrigo das pressões que devolveriam o país ao seu curso natural de leniência com a corrupção dos donos do poder. E sem exceções.

Ainda não se sabe se o mensalão é a causa para a queda do candidato do PT, Fernando Haddad, nas pesquisas, mas, a julgar pelo Datafolha, a exploração do caso ainda não parece ter surtido os efeitos esperados sobre o PT em São Paulo. Questionados como veriam um próximo prefeito do PRB, do PSDB ou do PT, os entrevistados disseram o seguinte: 15% achariam “ótimo ou bom” se o eleito fosse do PRB; 25% disseram o mesmo de um tucano no poder; e 33% de um petista.

*Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

E-mail: mcristina.fernandes@valor.com.br

Manter a jurisprudência sem os holofotes

http://pagina13.org.br
Por Maria Cristina Fernandes – 21/09/12

O impeachment de Collor nasceu da entrevista do irmão. O mensalão, daquela entrevista de Roberto Jefferson. A acusação de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o chefe da quadrilha do mensalão não tem autoria.

O publicitário Marcos Valério, identificado como autor da acusação, não a assumiu. E seu advogado nega que tenha falado.

O áudio da entrevista pode existir, mas o fato de a revista de maior circulação do país ter publicado capa com uma acusação dessa gravidade sem autoria mostra que o julgamento ora em curso no Supremo tem consequências que extrapolam a dosimetria das penas.
Punição resistirá às pressões contra o mercado engessado?

Se os juízes, pelas indicações do relator no capítulo político do julgamento condenarem por indícios, por que um jornalista precisaria de fonte para publicar uma acusação?

Não é de hoje que se abusa do off, recurso legítimo do jornalismo que protege fontes com informações valiosas em nome do interesse público.

Mas na acusação em curso, paira no ar a dúvida sobre a que público serve a acusação anônima na reta final de uma campanha eleitoral definidora dos exércitos de 2014.

Essa relação nebulosa entre noticiário e interesse público não passa despercebida de quem está na arquibancada.

Repousa esquecida em cruzamentos de uma pesquisa Datafolha (10/08) a avaliação sobre a cobertura do mensalão: 46% dizem que a imprensa tem sido parcial – e 39% a julgam imparcial.


Não dá para atribuir o dado às massas ignaras do lulismo. Quanto maior a escolaridade, maior a percepção. Dos entrevistados que passaram pela universidade, 53% julgam a imprensa parcial. Entre aqueles que têm apenas o ensino fundamental, 41% compartilham a impressão.

Não parece haver dúvidas de que o julgamento tem inovado na interpretação da lei. Mas para aquilatar seu real impacto sobre o combate à corrupção resta saber se a jurisprudência será seguida à risca quando os holofotes se apagarem.

Para reverter a má-fama angariada, a imprensa terá que se dedicar com igual afinco ao julgamento da montanha de casos de corrupção que se acumulam nos tribunais.

Foi graças aos jornalistas que se conheceram os grandes escândalos de corrupção no governo Fernando Henrique Cardoso – Sivam, grampos do BNDES na privatização da Telebras, caso Marka/FonteCindam e, o maior deles, a aprovação da emenda da reeleição.

Ministros foram defenestrados e contratos foram cancelados, mas o entendimento era outro sobre a persecução penal dos envolvidos. Do desdobramento desses casos não se colhe o mais leve indício de que a tese do domínio do fato pudesse um dia vir a evoluir para a interpretação que ganha terreno no Supremo e facilita a condenação de quem está no topo de hierarquias de poder.

A imprensa também será desafiada a manter o arrojo com que se empenha na atual cobertura quando a aplicação dessa jurisprudência se voltar para o setor privado, muito menos aberto à investigação jornalística que o público.

O segundo capítulo do julgamento, que condenou os banqueiros, impôs um padrão de austeridade inédito, por exemplo, na gestão do risco bancário. Para punir um dirigente de empresa não será preciso provar delito maior que a omissão no cumprimento do dever.

Uma coisa é enquadrar o banco Rural, que já havia se tornado um pária no mercado desde o envolvimento em intermediações financeiras com o governo a partir da era Collor.

Outra coisa é aplicar a nova jurisprudência a grandes empresas e bancos. A sanha punitiva – e jornalística – resistirá ao argumento, para além da coerção verbal, de que o mercado, engessado, é um freio ao desenvolvimento econômico?

O que dizer, também, da ameaça de reversão das reformas aprovadas com os votos que o ministro relator assevera terem sido comprados? Bárbara Pombo conta hoje no Valor (pág. E1) que advogados já se movimentam nesse sentido.

Se a oposição conseguir voltar ao poder, o presidente que eleger pode se ver na contingência de defender a constitucionalidade das reformas tributária e previdenciária que seu partido acusou, com o possível beneplácito do Judiciário, de terem sido compradas.

Na hipótese ainda improvável de a mudança na jurisprudência trazer ameaça real ao estabelecido, a reforma do Código Penal sempre pode ser uma saída para fechar a porteira aberta por este julgamento.

O anteprojeto de reforma do código, gestado no gabinete do presidente do Senado, José Sarney, precede o julgamento do mensalão e não se remete aos seus resultados. Mas nada impede que, uma vez iniciada sua tramitação, o texto possa ser abrigo das pressões que devolveriam o país ao seu curso natural de leniência com a corrupção dos donos do poder. E sem exceções.

Ainda não se sabe se o mensalão é a causa para a queda do candidato do PT, Fernando Haddad, nas pesquisas, mas, a julgar pelo Datafolha, a exploração do caso ainda não parece ter surtido os efeitos esperados sobre o PT em São Paulo. Questionados como veriam um próximo prefeito do PRB, do PSDB ou do PT, os entrevistados disseram o seguinte: 15% achariam “ótimo ou bom” se o eleito fosse do PRB; 25% disseram o mesmo de um tucano no poder; e 33% de um petista.

*Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

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