16 de fevereiro de 2012

Muito além da semântica

publicado em 13/02/2012 no http://www.pt.org.br/
Por Valter Pomar

A concessão dos aeroportos gerou um debate entre os tucanos, que
comemoram a suposta adesão do PT às privatizações, versus alguns
petistas, que negam qualquer semelhança entre “conceder” e
“privatizar”.

Neste debate, alguns não estão falando toda a verdade.

Concessão é uma modalidade de privatização. Privatizar não é apenas
vender o patrimônio; pode ser também conceder seu uso por determinado
tempo, sob determinadas condições. Negar isto é um revelador “ato
falho”, típico de quem no fundo sabe que está fazendo algo
problemático.

Por outro lado, os tucanos sabem muito bem a diferença entre as
privatizações que eles fizeram versus o que foi feito em governos
petistas, ontem e hoje. No caso em tela, há pelo menos três
diferenças.

Primeiro, embora a concessão seja uma modalidade de privatização,
trata-se de uma modalidade distinta da transferência de patrimônio,
especialmente quando feita em troca de nada, como os tucanos fizeram
com a Vale do Rio Doce.

Segundo, os tucanos fizeram privataria, uma “etapa superior da
privatização”, na qual os envolvidos tornaram-se muito ricos…

Terceira e decisiva diferença: para o PSDB, as privatizações
constituem parte essencial de uma estratégia neoliberal de
desenvolvimento e de um modelo de sociedade dominada pelos “mercados”.

Nestes dois terrenos (papel do Estado e do capital privado na
estratégia geral de desenvolvimento e no modelo de sociedade), o PT e
PSDB estavam e estão em posições opostas.

Apesar de governos encabeçados por petistas, tanto agora quanto em
momentos anteriores, terem patrocinado terceirizações, concessões e
até mesmo venda de patrimônio público, um exame honesto do conjunto da
obra mostra que existem diferenças de fundo entre PT e PSDB.

Os tucanos conferem ao capital privado papel decisivo. Já o PT defende
que o Estado tenha papel central, tanto na estratégia de
desenvolvimento quanto no modelo de sociedade.

Estas e outras diferenças entre PT e PSDB seguirão existindo, ao menos
enquanto um dos partidos não mudar de classe social.

Se isto que falamos até agora for verdadeiro, o debate no interior do
PT sobre a concessão dos aeroportos deveria tratar dos aspectos
estratégicos e táticos da questão.

Do ponto de vista tático, a concessão foi economicamente desnecessária
e politicamente incorreta.

Economicamente desnecessária, porque o Estado dispunha e dispõe dos
meios gerenciais e financeiros para realizar a modernização, ampliação
e administração dos aeroportos. E para atrair o capital privado, havia
alternativas melhores do que a concessão.

Politicamente incorreta, porque a concessão facilitou o ataque da
mídia e da oposição, que busca sair das cordas e nos arrastar para a
vala comum das privatarias, acusando ao PT e ao governo de
estelionato, incoerência etc.

Do ponto de vista estratégico, a opção pela concessão confirma que
estamos diante de um dilema.

Como dissemos antes, nem o PT, nem o governo Dilma são partidários de
uma estratégia privatizante. Mas…

Mas como não conseguirmos fazer uma reforma tributária; como as taxas
de juros continuam altas; como estamos demorando a adotar medidas
macroeconômicas que nos protejam do agravamento da crise; logo…

Logo será cada vez maior a carência de recursos para o país continuar
crescendo com ampliação das políticas sociais. E frente a um cobertor
curto, será cada vez maior a tentação oferecida por falsas
alternativas, tão ao gosto dos tucanos, como privatizações de variadas
modalidades, reformas conservadoras da previdência, orçamentos
insuficientes para as políticas sociais etc.

O dilema consiste nisto: ou percebemos que para uma nova situação é
necessária uma nova estratégia, e conseguimos a força necessária para
fazer mudanças de fundo, ou seremos empurrados para aquelas situações
aparentemente sem saída, nas quais somos levados a escolher o mal
menor.

Aparentemente menor…

*Valter Pomar é membro do Diretório Nacional do PT
OBS: Os textos abaixo " Concessão não é privatização " de Walter Pinheiro, está no http://www.pt.org.br/ e " Privatizações: ontem e hoje " de Paulo Kliass está no http://www.cartamaior.org.br/.

Privatização: ontem e hoje!

Apesar de haver permanecido durante muito tempo na pauta da agenda autenticamente liberal, a privatização só ganhou espaço e fôlego a partir de meados da década de 1970, quando aquilo que viria a ser conhecido como “Consenso de Washington” começou a realizar seus primeiros esboços.

A surpreendente decisão da Presidenta Dilma em dar seqüência à proposta de privatização da estrutura aeroportuária brasileira reabriu o importante debate a respeito da complexa relação entre as esferas do público e do privado em nosso País.

Para aqueles que se recordam dos termos das polêmicas da campanha eleitoral para presidente em 2010, um ponto de inflexão foi justamente a postura ofensiva adotada pela então candidata do PT contra as propostas de privatização levadas a cabo pelo candidato tucano. Ou seja, votar no Serra era correr o risco da volta ao processo de transferência do patrimônio público ao setor privado. Porém, nada como um dia após o outro. E um ano após a sua posse, o governo Dilma comanda o leilão dos 3 principais aeroportos, cuja gestão até então era de responsabilidade da Infraero – empresa pública do governo federal.

Colocados na defensiva pelo tom inusitado do xadrez político, muitos simpatizantes do governo ensaiaram um discurso rechaçando a acusação e a cobrança de coerência. “De jeito nenhum! Concessão não é privatização!”. Ou então argumentando que os valores dos aeroportos leiloados foram bem superiores aos das empresas privatizadas no passado. Como se a questão ideológica estivesse superada e agora tudo não passasse de se encontrar a melhor forma para se chegar ao “preço justo” para realizar a transação entre o Estado e o capital. O esforço do malabarismo retórico impressiona! Afinal, realmente deve ser um pouco incômodo receber tantos elogios da parte de personalidades que estavam à frente do processo de privatização à época de FHC.

O fato é que o termo “privatização” comporta um conjunto enorme de definições. No entanto, considero que o mais adequado seria abordá-lo no sentido mais amplo, como o verdadeiro “processo de privatização”, que trata das relações entre as esferas do setor público e do setor privado. Apesar de haver permanecido durante muito tempo na pauta da agenda autenticamente liberal, a privatização só ganhou espaço e fôlego a partir de meados da década de 1970, quando aquilo que viria a ser conhecido como “Consenso de Washington” começou a realizar seus primeiros esboços. Ronald Reagan na Presidência dos EUA e Margaret Thatcher à frente do governo britânico foram os grandes patronos das medidas de demonização da presença do Estado na economia. E logo em seguida receberam o providencial apoio dos partidos socialistas recém chegados ao poder na França e na Espanha, que privatizaram boa parte dos respectivos setores públicos. Era o início da ascensão do neoliberalismo.

As empresas estatais e o início da crítica
Aqui por nossas terras, a realidade era um pouco diferente. Durante a fase da ditadura militar, como que por ironia da História (prefiro chamar de necessidades do capital...), a estrutura do Estado na economia se alargou e se aprofundou. Apesar da orientação direitista e conservadora do golpe de 64 e da crença liberal de seus principais formuladores de política econômica, o que se viu foi a continuidade da estruturação de setores estratégicos com forte presença do ente estatal. A energia era dominada pela Petrobrás, Nuclebrás, Eletrobrás e o sistema elétrico com empresas federais e estaduais. A siderurgia tinha como grande vetor a Siderbrás, com as principais empresas como CSN, Cosipa, Usiminas e demais. O sistema portuário era comandado pela Portobrás e suas unidades nas principais cidades do litoral. Na área de estradas de ferro, tínhamos a RFFSA federal e algumas empresas estaduais. No setor de petroquímica e de fertilizantes, o modelo dos pólos - como Camaçari e Cubatão - estimulava a formação de parcerias entre público e privado, por meio da Petroquisa e da Petrofértil. Nas telecomunicações, havia o sistema Telebrás com as operadoras estaduais e a Embratel federal.

No sistema financeiro, havia os bancos comerciais e os de desenvolvimento. De um lado, Banco do Brasil (BB), Caixa Econômica Federal (CEF) e o sistema dos bancos comerciais dos governos dos estados. De outro, BNDES e os bancos de desenvolvimento regional – BASA e BNB. Na mineração, o carro-chefe sempre foi a Cia. Vale do Rio Doce. Havia empresas de navegação fluvial, como a ENASA da Amazônia e a FRANAVE para o São Francisco. Na aeronáutica, a EMBRAER na produção de aeronaves. O sistema de água e saneamento urbano também sempre foi montado com base em empresas estatais, seja dos municípios seja dos estados.

Porém, apesar dessa aparente contradição, o modelo era bastante funcional ao processo de acumulação do capital. Do ponto de vista político, uma vez que o regime assegurava a exploração da força de trabalho e silenciava os opositores com os instrumentos da repressão. Do ponto de vista econômico, a fase do milagre reservava altas taxas de acumulação e de retorno para o capital privado. As primeiras queixas mais explícitas de representantes do empresariado começaram a surgir a partir da crise do início dos anos 80. Afinal, quando a economia entra em recessão, ninguém quer sair perdendo. O vilão passa, então, a ser identificado no setor público.

O Jornal da Tarde, ligado ao jornal “O Estado de São Paulo”, passa a publicar, em 1983, uma série de reportagens que ficou famosa. Tinha por título “República Socialista Soviética do Brasil” (sic) e buscava confundir de maneira ardilosa a luta pela democracia com a luta contra a presença do setor público na economia. Com comunistas, socialistas e demais representantes das forças progressistas assassinados, torturados, presos, exilados, a matéria tentava passar uma falsa imagem a respeito do projeto político do regime militar.

Através da divulgação exaustiva do suposto “gigantismo” das empresas estatais brasileiras e dos abusos cometidos pela ditadura, o jornal sugeria que a luta democrática pressupunha a saída do Estado na economia. Mas o termo mais utilizado naquele momento era a chamada proposta de “desestatização”. Apesar de um outro nome diferente para reduzir a presença do setor público, a essência da proposta era a mesma de hoje - a “privatização”.

Diferentes modalidades de privatização
As alternativas privatizantes podem ocorrer segundo um conjunto amplo de possibilidades operacionais. A primeira delas é o estereótipo mais evidente e consiste na venda pura e simples da empresa do Estado para os interessados do setor privado. O patrimônio da empresa estatal é transferido para o novo proprietário que paga um valor por tal operação.

Normalmente, o preço de venda deveria refletir o valor atual da empresa, adicionado do fluxo futuro de ganhos esperados. Na prática, porém, quase nunca foi assim. Os preços de venda eram reduzidos e os adquirentes recebiam mil e uma vantagens para a compra, como aceitação de títulos públicos sem liquidez (as chamadas moedas podres), aporte de recursos públicos (como financiamento do BNDES) e outras generosidades (como a participação de fundos de pensão ligados a empresas estatais).

Além disso, a realidade dos processos de privatização contém outras modalidades que não podemos deixar de considerar. As empresas estatais, por exemplo, dividem-se em empresas públicas e empresas de economia mista. No primeiro grupo, o Estado detém 100% das ações. No segundo grupo, há participação de acionistas privados também. A coisa fica mais complicada ainda se levarmos em conta a diferença entre as ações que dão direito a voto e as que não oferecem essa possibilidade. Ou ainda, as ações que dão direito a receber dividendos anuais do lucro da empresa e as que não permitem esse ganho. No caso do setor bancário, por exemplo, a CEF é uma empresa pública e o BB é uma empresa de economia mista.

Para os que agora resolveram fazer uma leitura mais “pragmática” da privatização, o governo poderia transferir até 49% do capital da Caixa sem problemas, pois ficaria tendo maioria no controle. E poderia vender a totalidade das ações ordinárias do BB sem direito a voto e as nominativas no limite de sua posição de majoritário.

Concessão é uma forma de privatização

O ponto mais intrigante é a busca das razões que teriam levado o governo da Presidenta Dilma a tal mudança de postura. Afinal, os argumentos favoráveis à privatização podem ser resumidos a 5 tipos:

i) “ideológico puro”: sou contra o Estado na economia, isso é função de empresa privada e ponto final;

ii) ineficiência do Estado: a ação econômica do Estado é sempre ineficiente, em relação ao setor privado. Assim, para que o conjunto dos atores sociais saia sempre ganhando, a solução é privatizar;

iii) necessidade de promover a concorrência: boa parte das empresas estatais opera em setores onde não há concorrência. Abrir à privatização seria uma forma de estimular a eficiência, melhorar os serviços e reduzir as tarifas cobradas do consumidor;

iv) a presença do Estado só se justifica em setores considerados estratégicos e essenciais;

v) necessidade de recursos: o Estado estaria com dívidas elevadas e sem recursos financeiros para cumprir suas missões essenciais. A solução é vender o patrimônio público para o setor privado e usar esses recursos para tais fins.

Assim, vejamos o caso do Brasil de hoje, de acordo com os postulados acima:

i) poucos liberais radicais arriscariam tal opção hoje em dia;

ii) o argumento da ineficiência quase sempre é utilizado de forma oportunista e casuísta. Assim, o esforço deve ser no sentido de aperfeiçoar a gestão da coisa pública e não transferi-la para o setor privado. Caso contrário, a lista das empresas e setores a serem privatizados só deveria aumentar. Na verdade, muitos temem que a Infraero seja um balaio de ensaio para outros experimentos mais “ousados”;

iii) a realidade pós-privatização de teles, energia elétrica, estradas, entre outros, mostra a falácia do argumento. Os serviços são de péssima qualidade, as tarifas elevadas e os setores não permitem uma concorrência do tipo do “mercado da batatinha”. Não gostou dos serviços da companhia de eletricidade? Ótimo, vá então procurar aquele fio no poste lá do outro lado da calçada. O pedágio da estrada está muito elevado? Pode pegar a via esburacada ali ao lado, que ela é de graça. Isso para não mencionar o nível absurdo das tarifas, inclusive na comparação com outros países;

iv) realmente entre os extremos das barracas de frutas na feira e a promoção da segurança pública, há um conjunto amplo de setores que podem ser considerados estratégicos ou não, de acordo com o momento histórico, a realidade de cada país e a opinião de cada indivíduo. Mas, com certeza, a gestão aeroportuária desempenha uma função relevante aqui no Brasil. Afinal, se não fosse assim tão estratégica, por que tanta preocupação com o chamado “caos” aéreo? Por que tanta energia despendida com a busca de uma solução a toque de caixa, a partir de uma simples exigência da FIFA? Além de elementos de segurança nacional (espaço aéreo entre os oceanos Atlântico e Pacífico, espaço de dimensão continental, conexão do território nacional, etc), os aeroportos proporcionam cada vez mais um importante meio de comunicação e transporte em nosso País. É realmente um setor essencial.

v) o Estado brasileiro tem recursos financeiros sobrando. O problema é que quase 50% do Orçamento vão para pagamento de juros e serviços da dívida pública. Apenas a título de comparação: o governo comemorou os R$ 35 bilhões que serão desembolsados em lentas e suaves prestações ao longo de 30 anos pelos consórcios dos aeroportos. Pois a Presidenta, de uma só canetada, cortou R$ 60 bi dos gastos da União em 2012 para gerar o famigerado superávit primário.

Afinal, então, por que privatizar?

Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.
No caso das concessões, o modelo de privatização é diferente. Não se trata de uma transferência definitiva do patrimônio estatal para o setor privado. E podemos estar face a situações bastante distintas. Um caso é o leilão da concessão de um bem público já em operação por entidade estatal. Outro seria a concessão de uma atividade nova que seria posta em operação pelo setor privado. E aqui a lista de casos para a realidade brasileira recente é enorme.

O governo FHC decidiu por abrir à iniciativa privada (grupos nacionais e estrangeiros) a concessão de exploração de poços de petróleo, o que antes era monopólio da Petrobrás. E esse modelo, antes tão criticado, acabou sendo digerido, absorvido e mantido pelos governos do PT. Está virando moda em todas as esferas da administração pública (federal, estadual e municipal) submeter à concessão da iniciativa privada a exploração econômica de diferentes tipos de serviço de saúde, como hospitais, centros de saúde, entre outros. Os governos estão realizando leilões para concessão a consórcios privados a administração de rodovias, mediante a cobrança de pedágios. Será que apenas por não haver a transferência “para todo o sempre” do patrimônio público para o privado, todos esses exemplos de transação negocial não se caracterizam como privatização? Afinal, se levarmos em conta o tempo médio de vida das empresas no Brasil, os 30 anos da concessão dos aeroportos é mais do que uma eternidade! Quem sobreviver até 2042 certamente assistirá à cerimônia de retorno do patrimônio dos aeroportos à União...

Além disso, a mercantilização dos bens públicos é também uma forma evidente de privatização desses setores. O ensino superior virou um grande negócio para o setor, sem que as universidades públicas tenham sido vendidas. Bastou o governo estimular o crescimento das vagas nas faculdades privadas, seja por programas do tipo PROUNI, seja pelo estrangulamento dos orçamentos da rede das universidades públicas. Tanto é que há hoje grandes grupos estrangeiros operando no ramo de vendas de diplomas de ensino superior por aqui. Já a expansão da rede privada de saúde é estimulada pelo sucateamento da estrutura da saúde pública, via SUS. A transformação da saúde e da educação em mercadorias faz com que esses setores passem a ser tratados segundo a lógica do capital e não aquela do interesse público. E isso significa também um processo de privatização de tais atividades, sem que haja nenhuma venda de empresa estatal.

Não há razão para privatizar

14 de fevereiro de 2012

Concessão não é privatização,
 por Walter Pinheiro

A insistência no uso do termo privatização tem por objetivo levar o PT para a vala comum de quem, no governo FHC, vendeu o patrimônio nacional


Até as pedras sabem que a concessão das operações dos aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Brasília nada tem a ver com privatização.

A insistência no uso desse termo tem por único objetivo confundir a opinião pública, arrastando o PT para a vala comum daqueles que, no governo Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), depreciaram e depois passaram para as mãos de particulares grande parte do patrimônio construído com suor e sangue da sociedade brasileira.

Ao contrário do que ocorreu com a privatização promovida pelo governo do PSDB, quando empresas estatais de mineração (Vale), de siderurgia (CSN), de telecomunicações (sistema Telebrás) e a Rede Ferroviária Federal foram passadas para a iniciativa privada (em operações até hoje nebulosas), esses aeroportos continuarão patrimônio do povo brasileiro.

O cidadão que paga aluguel sabe que o imóvel que aluga jamais será seu ao final do contrato. Ele tem duas opções: renovar o aluguel ou devolver o imóvel ao seu dono.
Isso também vai acontecer com os aeroportos quando o prazo de concessão vencer: nem durante, nem ao final da concessão os aeroportos passarão à propriedade das concessionárias. Não se trata de privatização.

A concessão dos aeroportos trará lucros para o país. Esse compartilhamento da gestão em Guarulhos, em Viracopos e em Brasília representou um aporte de recursos da ordem de R$ 24,5 bilhões.

É um dinheiro extra que vai possibilitar ao governo investir na modernização e na construção de novos aeroportos -oito vezes mais do que o valor que foi possível investir desde 2003 para atender à crescente demanda do setor.

E isso será feito não apenas por causa da Copa do Mundo de 2014, mas porque a população brasileira estará cada vez menos pobre. E, em função das dimensões continentais do país, essa população buscará sempre o conforto de um transporte mais veloz e seguro.

Entre o planejamento e as obras civis, a construção de um aeroporto leva tempo. Guarulhos começou a ser pensado em 1967 e teve as suas obras iniciadas em 1980. O início das suas operações aconteceria somente em 1985.

Reflexo da melhoria das condições de vida da nossa população, a evolução da movimentação de passageiros no transporte aéreo do Brasil vem crescendo de forma descomunal desde 2003, ano em que foram transportados 71,2 milhões de passageiros -em 2002, foram 62,6 milhões.

Para se ter uma ideia, a projeção do número de passageiros que seriam transportados em 2015, feita em 2005 pelo antigo DAC (Departamento de Aviação Civil), de 152,6 milhões de passageiros, foi batida em dezembro de 2010, quando o total de passageiros transportados atingiu a impressionante marca de 155,3 milhões.

Em 2011, foram 179,9 milhões, como se quase toda a população brasileira tivesse voado.

O aumento no número de passageiros não ocorreu por acaso. Ele é resultado da política econômica adotada pelos governos do PT desde 2003.

Foi privilegiado o crescimento econômico com geração de emprego e renda. Promoveu-se a maior mobilidade social da história do Brasil, com dezenas de milhões de brasileiros ascendendo à classe média.

Essa gente contribuiu para ampliar significativamente a demanda dos serviços aeroportuários. Além de investimentos em aeroportos, isso exigiu a ampliação da frota e criou oportunidade para o surgimento de novas empresas no setor.

Diante desse crescimento, de fazer inveja às taxas chinesas, é natural que o governo compartilhe com a iniciativa privada a administração de alguns dos seus maiores aeroportos, oferecendo mais agilidade nas operações e mais conforto para os usuários.

Walter Pinheiro é senador pela Bahia e líder do PT no Senado.

(Texto originalmente publicado na coluna Tendências/Debates do jornal Folha de S. Paulo, edição de 14/02/2012

12 de fevereiro de 2012

Salvar vidas ou o capital?

Frei BettoEscritor e assessor de movimentos sociais
Adital

O melhor Papai-Noel do mundo mereceram 523 instituições financeiras europeias quatro dias antes do Natal: 489 bilhões de euros (o equivalente a R$ 1,23 trilhão), emprestados pelo BCE (Banco Central Europeu) a juros de 1% ao ano!
Curiosa a lógica que rege o sistema capitalista: nunca há recursos para salvar vidas, erradicar a fome, reduzir a degradação ambiental, produzir medicamentos e distribuí-los gratuitamente. Em se tratando da saúde dos bancos, o dinheiro aparece num passe de mágica!

Há, contudo, um aspecto preocupante em tamanha generosidade: se tantas instituições financeiras entraram na fila do bolsa-BCE, é sinal de que não andam bem das pernas.
Quais os fundamentos dessa lógica que considera mais importante salvar o Mercado que vidas humanas? Um deles é este mito de nossa cultura: o sacrifício de Isaac por Abraão (Gênesis 22, 1-19).

No relato bíblico, Abraão deve provar a sua fé sacrificando a Javé seu único filho, Isaac. No exato momento em que, no alto da montanha, prepara a faca para matar o filho, o anjo intervém e impede Abraão de consumar o ato. A prova de fé fora dada pela disposição de matar. Em recompensa, Javé cobre Abraão de bênçãos e multiplica-lhe a descendência como as estrelas do céu e as areias do mar.

Essa leitura, pela ótica do poder, aponta a morte como caminho para a vida. Toda grande causa - como a fé em Javé - exige pequenos sacrifícios que acentuem a magnitude dos ideais abraçados. Assim, a morte provocada, fruto do desinteresse do Mercado por vidas humanas, passa a integrar a lógica do poder, como o sacrifício "necessário" do filho Isaac pelo pai Abraão, em obediência à vontade soberana de Deus.

Abraão era o intermediário entre o filho e Deus, assim como o FMI e o BCE fazem a ponte entre os bancos e os ideais de prosperidade capitalista dos governos europeus - que, para escapar da crise, devem promover sacrifícios.

Essa mesma lógica informa o inconsciente do patrão que sonega o salário de seus empregados sob pretexto de capitalizar e multiplicar a prosperidade geral, e criar mais empregos. Também leva o governo a acusar as greves de responsáveis pelo caos econômico, mesmo sabendo que resultam dos baixos salários pagos aos que tanto trabalham sem ao menos a recompensa de uma vida digna.

O deus da razão do Mercado merece, como prova de fidelidade, o sacrifício de todo um povo. Todos os ideais estão prenhes de promessas de vida: a prosperidade dos bancos credores, a capitalização das empresas ou o ajuste fiscal do governo. Salva-se o abstrato em detrimento do concreto, a vida humana.

O espantoso dessa lógica é admitir, como mediação, a morte anunciada. Mata-se cruelmente através do corte de subsídios a programas sociais; da desregulamentação das relações trabalhistas; do incentivo ao desemprego; dos ajustes fiscais draconianos; da recusa de conceder aos aposentados a qualidade de uma velhice decente.

A lógica cotidiana do assassinato é sutil e esmerada. Aqueles que têm admitem como natural a despossessão dos que não têm. Qualquer ameaça à lógica cumulativa do sistema é uma ofensa ao deus da liberdade ocidental ou da livre iniciativa. Exige-se o sacrifício como prova de fidelidade. Não importa que Isaac seja filho único. Abraão deve provar sua fidelidade a Javé. E não há maior prova do que a disposição de matar a vida mais querida.

A lógica da vida encara o relato bíblico pelos olhos de Isaac. Este não sabia que seria assassinado, tanto que indagou ao pai onde se encontrava o cordeiro destinado ao sacrifício. Abraão cumpriu todas as condições para matar o filho. Subjugou-o, amarrou-o, colocou-o sobre a lenha preparada para a fogueira e empunhou a faca para degolá-lo.

No entanto, inspirado pelo anjo, Abraão recuou. Não aceitou a lógica da morte. Subverteu o preceito que obrigava os pais a sacrificarem seus primogênitos. Rejeitou as razões do poder. À lei que exigia a morte, Abraão respondeu com a vida e pôs em risco a sua própria, o que o forçou a mudar de território.

Se não mudarmos de território - sobretudo no modo de encarar a realidade -, como Abraão, continuaremos a prestar culto e adoração a Mamom. Continuaremos empenhados em salvar o capital, não vidas, e muito menos a saúde do planeta.

[Betto é escritor, autor de "Sinfonia Universal - a cosmovisão de Teilhard de Chardin" (Vozes), entre outros livros. http://www.freibetto.org/> twitter:@freibetto.

Nasce o OP nacional

Por Deputado federal Ronaldo Zulke.

21/11/2011 | 16:03


O Orçamento Participativo foi criado em Porto Alegre, no alvorecer dos anos 90, aproveitando a onda remanescente criada pelas mobilizações sociais que resultaram na Constituição de 1988. Embora o mundo estivesse então sob influência da ideologia neoliberal, preocupada antes com o movimento dos capitais nas bolsas de valores do que com a participação dos cidadãos na esfera pública, o fato é que o OP afirmou um modelo de gestão capaz de aperfeiçoar a democracia representativa através do protagonismo da sociedade civil. As edições do Fórum Social Mundial, de 2001 a 2003, só aconteceram na capital gaúcha porque o OP tornou-se uma prática administrativa reconhecida, internacionalmente, como exemplo de transparência na distribuição e aplicação dos recursos do Erário, pois livre das chagas do clientelismo e do fisiologismo.

As Conferências Nacionais temáticas (educação, mobilidade urbana, etc.) iniciadas no governo FHC, as quais saltaram de sete para mais de setenta sob o governo Lula, foram e são importantes para a democratização da elaboração de políticas no país. Mas não servem de compensação à inexistência de mecanismos institucionais que acolham a participação de segmentos mais vastos da população no debate estratégico acerca dos fundos públicos. Para corrigir essa limitação, no dia 10 do corrente, a Comissão Mista do Orçamento no Congresso aprovou por unanimidade uma proposta que, pela primeira vez na história, abre a possibilidade de apresentação de emendas populares na formatação do Orçamento Geral da União. Com isso, municípios com até 50 mil habitantes poderão inserir demandas por meio de audiências públicas, com valores que variam de R$ 300 mil a R$ 600 mil conforme a densidade populacional. No Rio Grande do Sul, o montante alcança R$ 180 milhões. As emendas, individuais ou em consórcio, devem priorizar áreas sociais (saúde e saneamento) como parte do empenho do governo federal em combater as desigualdades regionais e erradicar a miséria.

Trata-se de potencializar a intervenção da cidadania no planejamento orçamentário, a fim de socializar a construção do futuro da nação. Na esteira do movimento Ocupação de Wall Street, contra a plutocracia (o poder do dinheiro) e a favor do aprofundamento da democracia (o poder do povo), o ainda incipiente OP do Brasil mostra que a tomada de decisões no âmbito do Estado não deve restringir às representações partidárias.

 

Será um feliz ano novo?

Por Tarso Genro.

18/01/2012 | 12:17

O ano de 2012 será decisivo para o Brasil e para a América Latina. Não se trata de uma crônica de ano novo. É uma afirmação criteriosa, fundamentada em dois cenários, um interno e outro externo.

No externo, há o cansaço tanto da social-democracia como da ideologia thatcherista-neoliberal.

A social-democracia cansou a paciência de todos, em regra, porque a sua adaptação aos novos tempos - de crise do financiamento do "estado de bem-estar"- fez com que ela cultuasse a globalização financeira e passasse a se escravizar nas suas receitas.

De outra parte, o cansaço da ideologia do neoliberalismo adquiriu seu auge na evidência de manipulações fraudulentas, pelos bancos e governos, da situação real dos estoques da dívida pública. Mais uma vez houve frustração e tédio com os seus discursos sem cor.

No cenário interno, tanto brasileiro como latino-americano, vários são os governos, com orientações distintas, que conseguiram conquistar apoio parlamentar e social para não aplicar as regras neoliberais, com objetivo de sair das suas crises e melhorar a vida do povo.

A "melhora da vida do povo", no âmbito de uma crise mundial com intervenções militares brutais e com castração de direitos sociais nos países de capitalismo avançado, é um dado relevante para avaliar a importância do próximo ano no futuro da democracia na América Latina.

Como é sabido pela ciência política e comprovado empiricamente, nem sempre a democracia gera progresso socioeconômico para a maioria, assim como nem sempre as ditaduras pioram as condições de vida dos cidadãos.

Avançar socialmente dentro da democracia não é pouco. Assim como não é pouco fazer governos serem compreendidos pelos seus povos pelo que estão fazendo e melhorar a renda e a autoestima dos mais pobres dentro de um amplo processo democrático. É muito.

E mais: a inclusão massiva de grupos populacionais no consumo, na produção e na educação gera novos sujeitos sociais e novas demandas. Alguns exemplos: melhor comida, melhor habitação, um melhor carro do ano, mais lazer qualificado, mais educação e melhor transporte coletivo, além de mais segurança para fruir a vida.

A aceleração no combate às desigualdades é que vai resolver se teremos um bom ano novo para as democracias latino-americanas.

A aceleração no combate aos privilégios, dentro e fora do Estado e das empresas públicas e privadas, reduzindo as diferenças de renda e de salários -tanto na esfera pública como na esfera privada-, é que vai criar coesão entre as classes sociais emergentes, o Estado de Direito e a democracia.

Esses novos setores sociais não são massa de manobra de ninguém. Eles não se originam de paternalismos populistas nem de conquistas de burocracias sindicais. Não são "aparelháveis", pois são dispersos na estrutura produtiva, de serviços e na estrutura de classes.

Eles não são "classe média" frustrada ou raivosa. São os "de baixo", que apareceram nas urnas e reelegeram Lula e elegeram Dilma. Aparecem nas estatísticas do ProUni, dos novos empregos e das novas atividades na produção e nos serviços.

Esses é que têm potência para constituir -em irmandade política com os demais setores do mundo do trabalho- um consenso superior, forjado a partir das suas mobilizações para a oxigenação da vida pública democrática.

Isso só poderá ser feito diretamente pela política e pelos partidos, na minha opinião os de esquerda, e cada vez menos através de demandas corporativas e setoriais.

A agenda do combate às desigualdades sociais deverá ser a pauta de uma esquerda revitalizada, que já cumpriu tarefas importante no Brasil e na América Latina, após o ciclo das ditaduras cujos fantasmas ainda nos visitam.

(*) Governador do Estado do Rio Grande do Sul