País avança na meta de reciclagem de resíduos sólidos
Prevista para implantação até 2015 política que acaba com lixões que dominam arredores de cidades
A implantação da logística reversa em todo o País deverá ocorrer no máximo em 2015, estima o secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente, Nabil Bonduki. Parte fundamental da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), ela prevê o retorno para a indústria de materiais como eletroeletrônicos e pneus, para que possam ser novamente aproveitados pelo fabricante. Para isso, requer o envolvimento de todos na linha de produção e distribuição: fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes e o próprio consumidor, responsável pela devolução do produto aos postos de coleta.
A PNRS, aprovada em 2010, estabeleceu prazo até 2014 para a implantação da logística reversa e de outros pontos relativos à reciclagem e reutilização de resíduos sólidos, como o fim dos lixões. “E olha que estamos bem adiantados, se comparados a alguns países europeus”, disse o secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente, fazendo referência à Alemanha, que iniciou a implantação da logística reversa há quatro décadas. “E eles até hoje só conseguem recolher 50% das lâmpadas usadas”, exemplifica Bonduki.
Para a professora e pesquisadora do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB) Izabel Zaneti, o prazo para a implementação no Brasil é mais do que adequado. “A Política de Resíduos Sólidos levou mais de 20 anos para ser votada. É preciso tempo para que as indústrias possam se adaptar a isso.” Para ela, com as novas regras, haverá uma mudança de ação por parte das indústrias, que passarão a usar tecnologias mais limpas, mudando embalagens e metais usados na produção, para facilitar a reutilização. “É um momento importante para se repensar os produtos”, disse.
Inicialmente, o processo de implantação da logística reversa engloba o recolhimento de resíduos e embalagens de agrotóxicos; pilhas e baterias; pneus; óleos lubrificantes; lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista; e produtos eletroeletrônicos e seus componentes.
Cada produto está em uma fase de implantação diferente. No caso dos agrotóxicos, há campanhas de recolhimento de embalagens nos postos de venda. Os óleos lubrificantes já contam com uma política de recolhimento em algumas partes da região Sul do País. As regras para o recolhimento de lâmpadas têm proposta de edital pronta, que depende de aprovação do Ministério do Meio Ambiente. Os produtos com a logística reversa mais atrasada são os eletroeletrônicos, que ainda não têm edital concluído. “A coisa é complexa, pode levar um certo tempo para se concretizar. E vai precisar de muita educação ambiental e obrigação social”, disse Bonduki.
O secretário destaca a importância da participação do consumidor, que será fundamental em todo o processo. “É preciso a conscientização das pessoas para entregar o produto, ter a infraestrutura apta a recebê-lo e uma logística para recolher e levá-lo para o destino final e uma estrutura de reciclagem desses produtos”, ressalta. A lei prevê punição para os envolvidos na cadeia produtiva que não colaborarem com a nova política, assim que ela estiver totalmente implantada no País. As penalidades vão da cobrança de multa até o processo com base na Lei de Crimes Ambientais.
Para especialista, o plano de recolhimento de materiais reaproveitáveis corre risco com distorções de normas
O sucesso da logística reversa no Brasil que, de acordo com a PNRS, deve estar implantada até 2015, pode esbarrar nas distorções das normas, segundo o economista Sabetai Calderoni, que preside o Instituto Brasil Ambiente e o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável. O especialista alerta para pontos que definiu como equivocados, como o tratamento previsto para pilhas, baterias e material eletrônico.
Neste caso, segundo Calderoni, a política determina que a indústria recicle 100% do material utilizado. Uma meta, na avaliação dele, difícil de ser monitorada. “Ninguém vai controlar quanto o consumidor mandou para o comércio e quanto o comércio mandou para a indústria. É uma falsa meta. É uma forma de burlar a intenção da lei”, diz.
Para Calderoni, no entanto, a determinação de procedimentos sobre pneus é um exemplo. Pela proposta, a indústria teria que reciclar 5 pneus, a cada 4 que produzir. “Ou seja, vai reciclar os quatro que produziu e mais um que estava no estoque, acumulado por um período anterior à existência da lei”, diz o economista.
Ele acredita que a resposta dos consumidores a estímulos econômicos pode ajudar. A ideia é reproduzir incentivos como o praticado no caso de garrafas de bebidas. “Se eu disser que uma pilha nova fica mais barata, se você levar e entregar a pilha velha, as pessoas vão se interessar e não vão jogar fora. A mesma coisa com a lâmpada, o computador, celular e as baterias em geral. E não precisa custar mais caro para a indústria, que pode aumentar o preço um pouco para quem não faz a entrega”, explicou.
Pelas contas de Calderoni, o custo não aumenta nem com o transporte do material velho, já que as fábricas podem usar o mesmo veículo que leva a mercadoria para o comércio para recolher o produto descartado. A reciclagem exige um investimento em processamento do material, mas, segundo o economista, esse custo seria compensado com a energia ou com a matéria-prima que essa reciclagem pode trazer para os fabricantes. “‘Se no final da conta (o fabricante) tiver prejuízo, é responsabilidade de quem produziu. Ele tem que começar a fazer a conta. O produtor não pode privatizar lucros e socializar perdas para o meio ambiente e para as pessoas e não arcar com os custos disso.”
PPPs podem tornar as centrais de separação mais lucrativas
O modelo das Parcerias PúblicoPrivadas (PPPs) pode viabilizar a reciclagem de lixo no País, diminuindo gastos para as prefeituras e gerando oportunidades para empresas. Pela sistemática, o modelo de centrais de reciclagem poderia ser implantado na maior parte do País até 2014. O prazo é o mesmo estipulado pela Política Nacional de Resíduos Sólidos para o fim dos lixões.
Com as PPPs, as prefeituras cederiam apenas o terreno próximo às cidades, onde os resíduos seriam tratados. As centrais seriam montadas e administradas pela iniciativa privada. “Você não vai eliminar totalmente os custos, mas vai criar uma sistemática de aproveitamento desses materiais e gerar receita, empregos, benefícios para a saúde pública e o meio ambiente. Se o governo não consegue se organizar para isso, transfira a questão para o setor privado, se desonere e crie vantagens para todos”, diz Sabetai Calderoni.
A proposta é tratar todo o resíduo em até 24 horas, sem a necessidade de grande distância dos centros, já que não há exposição da população aos riscos à saúde. “Você economiza cerca de 90% com transporte, evita poluição com tráfego e acidentes, e ainda não paga para alguém receber em aterros. Além disso usa uma área pequena”, diz Calderoni,
Lixões ou aterros controlados são destino de 70% dos rejeitos
Cerca de 70% do lixo produzido no País acaba em lixões ou em aterros controlados, chamados de lixões melhorados por serem áreas que dispensam a coleta e o tratamento do chorume. Apenas 27,7% das cidades brasileiras dispõem de aterros sanitários, segundo dados do Ministério das Cidades. Os aterros sanitários, se feitos de acordo com regras ambientais, evitam a contaminação do solo e de lençóis freáticos por resíduos do lixo. A meta do governo, dentro da PNRS, é acabar com os lixões em todo o País até 2014, além de investir em cooperativas de catadores e em parcerias para aumentar a coleta seletiva e a destinação adequada do lixo não reciclável.
A preocupação atual, segundo o especialista em resíduos sólidos do Ministério da Cidades Sérgio Cotrim, é evitar os erros do passado, quando os municípios investiam na instalação de aterros ou usinas de reciclagem, mas não na manutenção dessas áreas. “Os aterros viraram lixões e as usinas viraram sucata. Temos lugares em que nenhum quilo de resíduo foi processado”, diz ele.
Para Cotrim, a solução deve ser regionalizada, com serviços de gestão organizada por consórcios públicos. “Temos recursos e queremos investir, mas o investimento será criterioso. Queremos a garantia de que o dinheiro vai ser bem aplicado.” O especialista diz que o Ministério das Cidades só vai analisar as propostas dos estados ou aquelas feitas por consórcios ou grupos de municípios. “Queremos trabalhar com grupos de municípios, estados, microrregiões e consórcios.”
A Política Nacional de Resíduos Sólidos determina que a gestão dos resíduos deixe de ser voluntária e passe a ser obrigatória, prevendo a não geração, a redução, a reutilização, a reciclagem e o tratamento. A lei prevê ainda a adoção da logística reversa, por meio de ações para coletar os resíduos sólidos e devolvê-los às indústrias. Inicialmente, a logística reversa engloba o recolhimento de resíduos e embalagens de agrotóxicos; pilhas e baterias; pneus; óleos lubrificantes; lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista; e produtos eletroeletrônicos e seus componentes.