6 de julho de 2013

MANIPULAÇÃO DE PESQUISA

Datafolha que derruba Dilma
“some” com eleitores pobres

3 de Jul de 2013 | 22:11
 
 
manip

A partir da denúncia de Flávio Luiz Sartori, de que a base amostral da pesquisa Datafolha que apontou uma queda de 30% na aprovação da presidenta Dilma Rousseff, o Tijolaço foi conferir e confirmou que a distribuição do eleitorado usada na pesquisa é totalmente diferente da distribuição do eleitorado brasileiro segundo os dados oficiais do Tribunal Superior Eleitoral.

A distribuição da amostra usada pelo Datafolha - disponível aqui, no site do instituto – revela que foi entrevistado um eleitorado com um perfil mais elevado de grau de instrução do que o realmente existente, o que reduz o nível de aprovação da Presidenta que, como todos os institutos concordam, obtém seus melhores resultados entre os mais pobre e, por conseguinte, com menor grau de instrução.

Segundo o TSE, os eleitores, no Brasil, com grau de instrução de, no máximo, ensino fundamental representam 57,8% do total.

No Datafolha, eles são apenas 41% do total. Uma diferença de “apenas” 16% dos 140 milhões de eleitores, ou 23 milhões de brasileiros subitamente escolarizados pelo Datafolha.

Os eleitores de ensino médio, completo ou incompleto, diz o TSE, são 34,7% do eleitorado. No Datafolha, eles representam 42%.

E os de ensino superior, também completo ou incompleto, são, nos números oficiais, 7,8% do total. Mas o Datafolha mais que dobra este percentual, entrevistando 17% de eleitores nesta condição escolar.

Isso, na base total. Na base ponderada, que é a utilizada para fazer os cálculos percentuais, a coisa ainda piora, como você vê aí embaixo. Com essa base, chagamos aos números monstriuosamente distorcidos que Sartori exibe em seu post: 38,4% de nível fundamental e 19,8% de nível superior.

pondera

O nome disso, em português claro, é manipulação de pesquisa.

Que, por sinal, já vinha de pesquisas anteriores do Datafolha e se agravou nesta última. A pesquisa anterior do instituto, aquela que mostrava uma queda de 8 pontos, tinha 45% de eleitores com grau fundamental ou menor (mais 4%), 40% com ensino médio (menos 2%) e 15% com ensino superior (menos 2%).

Como os dados do TSE podem ter, de fato, algumas distorções, por conterem dados do momento do cadastro ou recadastramento eleitoral – assim como as pesquisas de rua, como as do Datafolha, ao contrário, tendem a apresentar a natural distorção da autodeclaração de escolaridade, os números não batem.

IPM

O Instituto Paulo Montenegro, do Ibope, usa os dados que reproduzo na tabela ao lado, que indicam que os brasileiros entre 15 e 64 anos (basicamente a faixa eleitoral) são de 51% com ensino fundamental ou sem instrução, 35% com o ensino médio e 14% com ensino superior, compilando dados da Pnad/IBGE de 2009. Frise-se que isso ainda permite alguma distorção, pois a população de 15 a 18 anos, com grau de instrução superior à média, não é de alistamento obrigatório e a de 64 a 70, com grau de instrução bem abaixo da média, é.

Óbvio que ninguém está negando que a crise tenha tirado popularidade de Dilma. Isso é obvio e esperado. Mas que a base amostral do Datafolha dá “uma mãozinha”, dá.
O Datafolha tem de explicar porque não usa dos dados do TSE.

E o TSE tem de esclarecer a população se é possível divulgar maciçamente pesquisas feitas com uma base totalmente diferente da que ele, Tribunal, considera correta.

ESPIONAGEM E VAZAMENTO


 
Isso é o que se sabe sobre o caso Snowden que deixou desesperados  Obama, Kerry e Joe Biden

Por: Rubén Marcano | quinta-feira 2013/07/04 Aporrea 

Agentes da Central Intelligence Agency (CIA) sediados em Portugal, França e Espanha intercederam junto aos governos desses países, para que recusassem a entrada em  seus espaços aéreos do avião que conduzia o presidente Evo Morales, da Bolívia, que retornava de uma conferencia internacional realizada em Moscou. Foram também realizadas pressões diretas pelo presidente dos Estados Unidos , Sr. Barack Obama, pelo chanceler John Kerry e pelo vice-presidente Joe Biden.

Horas antes, Morales havia informado que estava disposto a conceder asilo humanitário ao agente de espionagem dos Estados Unidos Edward Snowden, que estava refugiado na zona de trânsito do aeroporto em Moscou. Este ciberagente realizou trabalhos especializados para uma das agencias terceirizadas controladas pela  National Security Agency ( NSA) dos Estados Unidos (são 1.900 agências no total) e não se sabe por qual motivo revolveu abrir,  para o mundo,  informações confidenciais e documentação secretas coletadas durante seus vários anos  de atividades profissionais.
Nenhuma agência é tão poderosa nos Estados Unidos como a NSA, contudo, as ações que desenvolve são pouco conhecidas pelos cidadãos desse país. Snowden copilou e guardou tantas informações sigilosos que os documentos fornecidos pela Wikileak  pareciam brincadeira.
Até o momento, estas são as pérolas que foram  lançadas para o mundo:

O sistema PRISM  foi criado pela NSA em 2007 para controlar e armazenar senhas, imagens, voz, dados, vídeo, e-mail, bate-papo, dos usuários dos portais populares, como Microsoft e sua divisão Skype, Google, YouTube, Yahoo, Facebook, AOL, Apple e PalTalk, e outros menos importantes.

• PRISM seleciona americanos classificados como perigosos para a segurança da nação. O sistema até o início deste ano havia identificado 117 675 "objetivos de vigilância." Todas as pessoas associadas com o acima exposto, são identificadas e são objetos  de pesquisas, monitoramento e interceptação eletrônica.

• o sistema descrito por Snowden (PRISM) é o mais poderoso que existe atualmente no mundo. E um captador de informações impressionante, com centenas de servidores locados em locais remotos, em abrigos desconhecidos e secretos enterrados sob montanhas, desertos ou outras áreas.  
                                       
• Todas as chamadas telefonicas que entram ou saem os EUA, são  rastreadas por PRISM, que também mantém registros de números de telefones, cartões de crédito para  pagamentos, número de telefones , hora e duração das chamadas.

• Snowden também forneceu informações sobre os serviços secretos do Reino Unido, que também coletou informações de empresas de Internet, que se utilizam dos 200 cabos submarinos de fibra óptica e que  transmitem as informações para cerca de  600 milhões de pessoas em todo o mundo.
• A NSA também espionou a China, varios paises europeus e até mesmo as viagens internacionais do presidente Chávez. Ela  também é  autora  de muitos hacks ralizados em universidades chinesas,  em servidores da ONU situados em Washington, escutas e espionagem sobre diplomatas em Bruxelas (sede da OTAN), escutas em sede diplomática de diversos paises, entre outros.

Por qual motivo os serviços de inteligencia dos Estados Unidos tanto fascinou  Snowden? 

O ciberagente entregou uma série de documentos criptografados a vários de seus amigos, à mídia internacional, à ativistas de internet e grupos que monitoram os direitos dos cidadãos em todo o mundo, de modo que uma vez capturado ou morto nesta caçada infernal a que  está sendo  submetido, tudo seria aberto e divulgado, incluindo  segredos como estes:

• Métodos para transmitir mensagens sigilosoas, espionagem e interceptação
• Objetivos políticos nacionais e globais
• Agentes secretos do mundo, a serviço da NSA
• Missões, nomes codificados e operações contra os líderes do mundo

"Neste momento não há nenhuma maneira de parar o processo de publicação", disse Jualian Assange, fundador do Wikileak

Isso significa que estamos presenciando a materialização do maior vazamento de espionagem sobre cidadãos e governos em todo o mundo e que representa apenas a ponta do iceberg.

 Tradução: Jacob David Blinder

1 de julho de 2013

A JUVENTUDE E O INFERNO URBANO

Marilena Chauí: "convém lembrar aos manifestantes que se situam à esquerda que, se não tiverem autonomia política e se não a defenderem com muita garra, poderão, no Brasil, colocar água no moinho dos mesmos poderes econômicos e políticos que organizaram grandes manifestações de direita na Venezuela, na Bolívia, no Chile, no Peru, no Uruguai e na Argentina. E a mídia, penhorada, agradecerá pelos altos índices de audiência"



As manifestações de junho de 2013 na cidade de São Paulo

por Marilena Chauí


Observações preliminares

O que segue não são reflexões sobre todas as manifestações ocorridas no país, mas focalizam principalmente as ocorridas na cidade de São Paulo, embora algumas palavras de ordem e algumas atitudes tenham sido comuns às manifestações de outras cidades (a forma da convocação, a questão da tarifa do transporte coletivo como ponto de partida, a desconfiança com relação à institucionalidade política como ponto de chegada) bem como o tratamento dado a elas pelos meios de comunicação (condenação inicial e celebração final, com criminalização dos “vândalos”) permitam algumas considerações mais gerais a título de conclusão.

O estopim das manifestações paulistanas foi o aumento da tarifa do transporte público e a ação contestatória da esquerda com o Movimento Passe Livre (MPL), cuja existência data de 2005 e é composto por militantes de partidos de esquerda. Em sua reivindicação especifica, o movimento foi vitorioso sob dois aspectos: 1. conseguiu a redução da tarifa; 2. definiu a questão do transporte público no plano dos direitos dos cidadãos e, portanto, afirmou o núcleo da prática democrática, qual seja, a criação e defesa de direitos por intermédio da explicitação (e não do ocultamento) dos conflitos sociais e políticos.

O inferno urbano

Não foram poucos os que, pelos meios de comunicação, exprimiram sua perplexidade diante das manifestações de junho de 2013: de onde vieram e por que vieram se os grandes problemas que sempre atormentaram o país (desemprego, inflação, violência urbana e no campo) estão com soluções bem encaminhadas e reina a estabilidade política? As perguntas são justas, mas a perplexidade, não, desde que  voltemos nosso olhar para um ponto que foi sempre o foco dos movimentos populares: a situação da vida urbana nas grandes metrópoles brasileiras.

Quais os traços mais marcantes da cidade de São Paulo nos últimos anos e que, sob certos aspectos, podem ser generalizados para as demais? Resumidamente, podemos dizer que são os seguintes:

- explosão do uso do automóvel individual: a mobilidade urbana se tornou quase impossível, ao mesmo tempo em que a cidade se estrutura com um sistema viário destinado aos carros individuais em detrimento do transporte coletivo, mas nem mesmo esse sistema é capaz de resolver o problema;

- explosão imobiliária com os grandes condomínios (verticais e horizontais) e shopping centers, que produzem uma densidade demográfica praticamente incontrolável além de não contar com uma rede de água, eletricidade e esgoto, os problemas sendo evidentes, por exemplo, na ocasião de chuvas;

- aumento da exclusão social e da desigualdade com a expulsão dos moradores das regiões favorecidas pelas grandes especulações imobiliárias e o conseqüente aumento das periferias carentes e de sua crescente distância com relação aos locais de trabalho, educação e serviços de saúde. (No caso de São Paulo, como aponta Hermínia Maricatto, deu-se a ocupação das regiões de mananciais, pondo em risco a saúde de toda a população); em resumo: degradação da vida cotidiana das camadas mais pobres da cidade;

- o transporte coletivo indecente, indigno e mortífero.  No caso de São Paulo, sabe-se que o programa do metrô previa a entrega de 450 k de vias até 1990; de fato, até 2013, o governo estadual apresenta 90 k. Além disso, a frota de trens metroviários não foi ampliada, está envelhecida e mal conservada; além da insuficiência quantitativa para atender a demanda, há atrasos constantes por quebra de trens e dos instrumentos de controle das operações. O mesmo pode ser dito dos trens da CPTU, que também são de responsabilidade do governo estadual. No caso do transporte por ônibus, sob responsabilidade municipal, um cartel domina completamente o setor sem prestar contas a ninguém: os ônibus são feitos com carrocerias destinadas a caminhões, portanto, feitos para transportar coisas e não pessoas; as frotas estão envelhecidas e quantitativamente defasadas com relação às necessidades da população, sobretudo as das periferias da cidade; as linhas são extremamente longas porque isso as torna mais lucrativas, de maneira que os passageiros são obrigados a trajetos absurdos, gastando horas para ir ao trabalho, às escolas, aos serviços de saúde e voltar para casa; não há linhas conectando pontos do centro da cidade nem linhas inter-bairros, de maneira que o uso do automóvel individual se torna quase inevitável para trajetos menores;

Em resumo: definidas e orientadas pelos imperativos dos interesses privados, as montadoras de veículos, empreiteiras da construção civil e empresas de transporte coletivo dominam a cidade sem assumir qualquer responsabilidade pública, impondo o que chamo de inferno urbano.


2. As manifestações paulistanas

A tradição de lutas

Recordando: A cidade de São Paulo (como várias das grandes cidades brasileiras) tem uma tradição histórica de revoltas populares contra as péssimas condições do transporte coletivo, isto é, a tradição do quebra-quebra quando, desesperados e enfurecidos, os cidadãos quebram e incendeiam ônibus e trens (à maneira do que faziam os operários no início da Segunda Revolução Industrial, quando usavam os tamancos de madeira – em francês, os sabots – para quebrar as máquinas – donde a palavra francesa sabotage, sabotagem). Entretanto, não foi este o caminho tomado pelas manifestações atuais e valeria a pena indagar por que. Talvez porque, vindo da esquerda, o MPL politiza explicitamente a contestação, em vez de politiza-la simbolicamente, como faz o quebra-quebra.

Recordando: Nas décadas de 1970 a 1990, as organizações de classe (sindicatos, associações, entidades) e os movimentos sociais e populares tiveram um papel político decisivo na implantação da democracia no Brasil pelos seguintes motivos: 1. introdução da idéia de direitos sociais, econômicos e culturais para além dos direitos civis liberais; 2. afirmação da capacidade auto-organizativa da sociedade; 3. introdução da prática da democracia participativa como condição da democracia representativa a ser efetivada pelos partidos políticos. Numa palavra: sindicatos, associações, entidades, movimentos sociais e movimentos populares eram políticos, valorizavam a política, propunham mudanças políticas e rumaram para a criação de partidos políticos como mediadores institucionais de suas demandas.

Isso quase desapareceu da cena histórica como efeito do neoliberalismo, que produziu: 1. fragmentação, terceirização e precarização do trabalho (tanto industrial como de serviços) dispersando a classe trabalhadora, que se vê diante do risco da perda de seus referenciais de identidade e de luta; 2. refluxo dos movimentos sociais e populares e sua substituição pelas ONGs, cuja lógica é distinta daquela que rege os movimentos sociais; 3. surgimento de uma nova classe trabalhadora heterogênea, fragmentada, ainda desorganizada e que por isso ainda não tem suas próprias formas de luta e não se apresenta no espaço público e que por isso mesmo é atraída e devorada por ideologias individualistas como a “teologia da prosperidade” (do pentecostalismo) e a ideologia do “empreendedorismo” (da classe média), que estimulam a competição, o isolamento e o conflito inter-pessoal, quebrando formas anteriores de sociabilidade solidária e de luta coletiva.

Erguendo-se contra os efeitos do inferno urbano, as manifestações guardaram da tradição dos movimentos sociais e populares a organização horizontal, sem distinção hierárquica entre dirigentes e dirigidos. Mas, diversamente dos movimentos sociais e populares,  tiveram uma forma de convocação que as transformou num movimento de massa, com milhares de manifestantes nas ruas.

O pensamento mágico

A convocação foi feita por meio das redes sociais. Apesar da celebração  desse tipo de convocação, que derruba o monopólio dos meios de comunicação de massa, entretanto é preciso mencionar alguns problemas postos pelo uso dessas redes, que possui algumas características que o aproximam dos procedimentos da midia:

1. é indiferenciada: poderia ser para um show da Madonna, para uma maratona esportiva, etc. e calhou ser por causa da tarifa do transporte público;

2. tem a forma de um evento, ou seja, é pontual, sem passado, sem futuro e sem saldo organizativo porque, embora tenha partido de um movimento social (o MPL), à medida que cresceu passou á recusa gradativa da estrutura de um movimento social para se tornar um espetáculo de massa. (Dois exemplos confirmam isso: a ocupação de Wall Street pelos jovens de Nova York e que, antes de se dissolver, se tornou um ponto de atração turística para os que visitavam a cidade; e o caso do Egito, mais triste, pois com o fato das manifestações permanecerem como eventos e não se tornarem uma forma de auto-organização política da sociedade, deram ocasião para que os poderes existentes passassem de uma ditadura para outra);

3. assume gradativamente uma dimensão mágica, cuja origem se encontra na natureza do próprio instrumento tecnológico empregado, pois este opera magicamente, uma vez que os usuários são, exatamente, usuários e, portanto, não possuem o controle técnico e econômico do instrumento que usam – ou seja, deste ponto de vista, encontram-se na mesma situação que os receptores dos meios de comunicação de massa. A dimensão é mágica porque, assim como basta apertar um botão para tudo aparecer, assim também se acredita que basta querer para fazer acontecer. Ora, além da ausência de controle real sobre o instrumento, a magia repõe um dos recursos mais profundos da sociedade de consumo difundida pelos meios de comunicação, qual seja, a idéia de satisfação imediata do desejo, sem qualquer mediação;

4. a recusa das mediações institucionais indica que estamos diante de uma ação própria da sociedade de massa, portanto,  indiferente à determinação de classe social; ou seja, no caso presente, ao se apresentar como uma ação da juventude, o movimento  assume a aparência de que o  universo dos manifestantes é homogêneo ou de massa, ainda que, efetivamente, seja heterogêneo do ponto de vista econômico, social e político, bastando lembrar que as manifestações das periferias não foram apenas de “juventude” nem de classe média, mas de jovens, adultos, crianças e idosos da classe trabalhadora.

No ponto de chegada, as manifestações introduziram o tema da corrupção política e a recusa dos partidos políticos. Sabemos que o MPL é constituído por militantes de vários partidos de esquerda e, para assegurar a unidade do movimento, evitou a referência aos partidos de origem. Por isso foi às ruas sem definir-se como expressão de partidos políticos e, em São Paulo, quando, na comemoração da vitória, os militantes partidários compareceram às ruas foram execrados, espancados, e expulsos como oportunistas – sofreram repressão violenta por parte da massa. Ou seja, alguns manifestantes praticaram sobre outros a violência que condenaram na polícia,

A crítica às instituições políticas não é infundada, mas possui base concreta:

a)    no plano conjuntural: o inferno urbano é, efetivamente, responsabilidade dos partidos políticos governantes;

b)    no plano estrutural: no Brasil, sociedade autoritária e excludente, os partidos políticos tendem a ser clubes privados de oligarquias locais, que usam o público para seus interesses privados; a qualidade dos legislativos nos três níveis é a mais baixa possível e a corrupção é estrutural; como consequência,  a relação de representação não se concretiza porque vigoram relações de favor, clientela, tutela e cooptação;

c)    a crítica ao PT:  de ter abandonado a relação com aquilo que determinou seu nascimento e crescimento, isto é, o campo das lutas sociais auto-organizadas e ter-se transformado numa máquina burocrática e eleitoral (como têm dito e escrito muitos militantes ao longo dos últimos 20 anos).

Isso, porém, embora explique a recusa, não significa que esta tenha sido motivada pela clara compreensão do problema por parte dos manifestantes. De fato, a maioria deles não exprime em suas falas uma análise das causas desse modo de funcionamento dos partidos políticos, qual seja, a estrutura autoritária da sociedade brasileira, de um lado, e, de outro, o sistema político-partidário montado pelos casuísmos da ditadura. Em lugar de lutar por uma reforma política, boa parte dos manifestantes recusa a legitimidade do partido político como instituição republicana e democrática. Assim, sob este aspecto, apesar do uso das redes sociais e da crítica aos meios de comunicação, a maioria dos manifestantes aderiu à mensagem ideológica difundida anos a fio pelos meios de comunicação de que os partidos são corruptos por essência. Como se sabe, essa posição dos meios de comunicação tem a finalidade de lhes conferir o monopólio das funções do espaço público, como se não fossem empresas  capitalistas movidas por interesses privados. Dessa maneira,  a recusa dos meios de comunicação e as críticas a eles endereçadas pelos manifestantes não impediram que grande parte deles aderisse à perspectiva da classe média conservadora difundida pela mídia a respeito da ética. De fato, a maioria dos manifestantes, reproduzindo a linguagem midiática, falou de ética na política (ou seja, a transposição dos valores do espaço privado para o espaço público), quando, na verdade, se trataria de afirmar a ética da política (isto é, valores propriamente públicos), ética que não depende das virtudes morais das pessoas privadas dos políticos e sim da qualidade das instituições públicas enquanto instituições republicanas. A ética da política, no nosso caso, depende de uma profunda reforma política que crie instituições democráticas republicanas e destrua de uma vez por todas a estrutura deixada pela ditadura, que força os partidos políticos a coalizões absurdas se quiserem governar, coalizões que comprometem o sentido e a finalidade de seus programas e abrem as comportas para a corrupção. Em lugar da ideologia conservadora e midiática de que, por definição e por essência, a política é corrupta, trata-se de promover uma prática inovadora capaz de criar instituições públicas que impeçam a corrupção, garantam a participação, a representação e o controle dos interesses públicos e dos direitos pelos cidadãos. Numa palavra, uma invenção democrática.

Ora, ao entrar em cena o pensamento mágico, os manifestantes deixam de lado que, até que uma nova forma da política seja criada num futuro distante quando, talvez, a política se realizará sem partidos, por enquanto, numa república democrática (ao contrário de uma ditadura) ninguém governa sem um partido, pois é este que cria e prepara quadros para as funções governamentais para concretização dos objetivos e das metas dos governantes eleitos. Bastaria que os manifestantes se informassem sobre o governo Collor para entender isso: Collor partiu das mesmas afirmações feitas por uma parte dos manifestantes (partido político é coisa de “marajá” e é corrupto) e se apresentou como um homem sem partido. Resultado: a) não teve quadros para montar o governo, nem diretrizes e metas coerentes e b) deu feição autocrática ao governo, isto é, “o governo sou eu”. Deu no que deu.

Além disso, parte dos manifestantes está adotando a posição ideológica típica da classe média, que aspira por governos sem mediações institucionais e, portanto, ditatoriais. Eis porque surge a afirmação de muitos manifestantes, enrolados na bandeira nacional, de que “meu partido é meu país”, ignorando, talvez, que essa foi uma das afirmações fundamentais do nazismo contra os partidos políticos.

Assim, em lugar de inventar uma nova política, de ir rumo a uma invenção democrática, o pensamento mágico de grande parte dos manifestantes se ergueu contra a política, reduzida à figura da corrupção. Historicamente, sabemos onde isso foi dar. E por isso não nos devem surpreender, ainda que devam nos alarmar, as imagens de jovens militantes de partidos e movimentos sociais de esquerda espancados e ensangüentados durante a manifestação de comemoração da vitória do MPL. Já vimos essas imagens na Itália dos anos 1920, na Alemanha dos anos 1930 e no Brasil dos anos 1960-1970.

Conclusão provisória

Do ponto de vista simbólico, as manifestações possuem um sentido importante que contrabalança os problemas aqui mencionados.

Não se trata, como se ouviu dizer nos meios de comunicação, que finalmente os jovens abandonaram a “bolha” do condomínio e do shopping center e decidiram ocupar as ruas (já podemos prever o número de novelas e mini-séries que usarão essa idéia para incrementar o programa High School Brasil, da Rede Globo). Simbolicamente, malgrado eles próprios e malgrado suas afirmações explícitas contra a política, os manifestantes realizaram um evento político: disseram não ao que aí está, contestando as ações dos poderes executivos municipais, estaduais e federal, assim como as do poder legislativo nos três níveis. Praticando a tradição do humor corrosivo que percorre as ruas, modificaram o sentido corriqueiro das palavras e do discurso conservador por meio da inversão das significações e da irreverência, indicaram uma nova possibilidade de práxis política, uma brecha para repensar o poder, como escreveu um filósofo político sobre os acontecimentos de maio de 1968 na Europa.

Justamente porque uma nova possibilidade política está aberta, algumas observações merecem ser feitas para que fiquemos alertas aos riscos de apropriação e destruição dessa possibilidade pela direita conservadora e reacionária.

Comecemos por uma obviedade: como as manifestações são de massa (de juventude, como propala a mídia) e não aparecem em sua determinação de classe social, que, entretanto, é clara na composição social das manifestações das periferias paulistanas, é preciso lembrar que uma parte dos manifestantes não vive nas periferias das cidades, não experimenta a violência do cotidiano experimentada pela outra parte dos manifestantes. Com isso, podemos fazer algumas indagações. Por exemplo: os jovens manifestantes de classe média que vivem nos condomínios têm idéia de que suas famílias também são responsáveis pelo inferno urbano (o aumento da densidade demográfica dos bairros e a expulsão dos moradores populares para as periferias distantes e carentes)? Os jovens manifestantes de classe média que, no dia em que fizeram 18 anos, ganharam de presente um automóvel (ou estão na expectativa do presente quando completarem essa idade), têm idéia de que também são responsáveis pelo inferno urbano? Não é paradoxal, então, que se ponham a lutar contra aquilo que é resultado de sua própria ação (isto é, de suas famílias), mas atribuindo tudo isso à política corrupta, como é típico da classe média?

Essas indagações não são gratuitas nem expressão de má-vontade a respeito das manifestações de 2013. Elas têm um motivo político e um lastro histórico.

Motivo político: assinalamos anteriormente o risco de apropriação das manifestações rumo ao conservadorismo e ao autoritarismo. Só será possível evitar esse risco se os jovens manifestantes levarem em conta algumas perguntas:

1. estão dispostos a lutar contra as ações que causam o inferno urbano e, portanto, enfrentar pra valer o poder do capital de montadoras, empreiteiras e cartéis de transporte que, como todo sabem não se relacionam  pacificamente (para dizer o mínimo) com demandas sociais?

2. estão dispostos a abandonar a suposição de que a política se faz magicamente sem mediações institucionais?

3. estão dispostos a se engajar na luta pela reforma política, a fim de inventar uma nova política, libertária, democrática, republicana, participativa?

4. estão dispostos a não reduzir sua participação a um evento pontual e efêmero e a não se deixar seduzir pela imagem que deles querem produzir os meios de comunicação?

Lastro histórico: quando Luiza Erundina, partindo das demandas dos movimentos populares e dos compromissos com a justiça social, propôs a Tarifa Zero para o transporte público de São Paulo, ela explicou à sociedade que a tarifa precisava ser subsidiada pela Prefeitura e que ela não faria o subsídio implicar em cortes nos orçamentos de educação, saúde, moradia e assistência social, isto é, dos programas sociais prioritários de seu governo. Antes de propor a Tarifa Zero, ela aumentou em 500% a frota da CMTC (explicação para os jovens: CMTC era a antiga empresa municipal de transporte) e forçou os empresários privados a renovar sua frota. Depois disso, em inúmeras audiências públicas, ela apresentou todos os dados e planilhas da CMTC e obrigou os empresários das companhias privadas de transporte coletivo a fazer o mesmo, de maneira que a sociedade ficou plenamente informada quanto aos recursos que seriam necessários para o subsídio. Ela propôs, então, que o subsídio viesse de uma mudança tributária: o IPTU progressivo, isto é, o imposto predial seria aumentado para os imóveis dos mais ricos, que contribuiriam para o subsídio juntamente com outros recursos da Prefeitura. Na medida que os mais ricos, como pessoas privadas, têm serviçais domésticos que usam o transporte público, e, como empresários, têm funcionários usuários desse mesmo transporte, uma forma de realizar a transferência de renda, que é base da justiça social, seria exatamente fazer com que uma parte do subsídio viesse do novo IPTU. Os jovens manifestantes de hoje desconhecem o que se passou: comerciantes fecharam ruas inteiras, empresários ameaçaram lockout das empresas, nos “bairros nobres” foram feitas  manifestações contra o “totalitarismo comunista” da prefeita e os poderosos da cidade “negociaram” com os vereadores a não aprovação do projeto de lei. A Tarifa Zero não foi implantada. Discutida na forma de democracia participativa, apresentada com lisura e ética política, sem qualquer mancha possível de corrupção, a proposta foi rejeitada. Esse lastro histórico mostra o limite do pensamento mágico, pois não basta ausência de corrupção, como imaginam os manifestantes, para que tudo aconteça imediatamente da melhor maneira e como se deseja.

Cabe uma última observação: se não levarem em consideração a divisão social das classes, isto é, os conflitos de interesses e de poderes econômico-sociais na sociedade, os manifestantes não compreenderão o campo econômico-político no qual estão se movendo quando imaginam estar agindo fora da política e contra ela. Entre os vários riscos dessa imaginação, convém lembrar aos manifestantes que se situam à esquerda que, se não tiverem autonomia política e se não a defenderem com muita garra, poderão, no Brasil, colocar água no moinho dos mesmos poderes econômicos e políticos que organizaram grandes manifestações de direita na Venezuela, na Bolívia, no Chile, no Peru, no Uruguai e na Argentina. E a mídia, penhorada, agradecerá pelos altos índices de audiência.