14 de abril de 2012


RESOLUÇÃO POLÍTICA DA COMISSÃO EXECUTIVA NACIONAL
 
Os recentes anúncios de redução no
 a. Cúpula de Chefes de Estado do Agrupamento BRICS, realizado em Nova Delhi (Índia) e efetivado dias antes de sua visita oficial aos Estados Unidos.
Ou seja, longe de implementar cortes nas despesas sociais ou de promover medidas draconianas no mercado de trabalho, o governo ataca a taxa de juros e força a competição no sistema financeiro, ressaltando o papel dos bancos públicos no apoio à política econômica oficial.

Tal iniciativa é concomitante à queda dos índices de inflação e à adoção de uma série de medidas do Programa Brasil Maior, voltadas para o fortalecimento da economia nacional, entre elas a ampliação da oferta de crédito via BNDES, renúncia fiscal, estímulo à inovação tecnológica e desoneração da folha de pagamento de diversos setores.

Destinadas a produzir efeitos no médio prazo, as iniciativas governamentais foram bem recebidas pelo movimento sindical, embora se registrassem críticas de setores que reclamam de um maior direcionamento regional das medidas. Do lado do governo, a expectativa é de que a iniciativa privada, queixosa diante do câmbio e da concorrência internacional, possa investir mais em pesquisa, inovação, elevação da produtividade e integração de suas cadeias produtivas.

É inegável, porém, que o País carece de uma reforma tributária progressiva, continuidade na redução da taxa básica de juros, maior regulação da atuação dos bancos privados, novas medidas de proteção da indústria nacional e uma intervenção do governo mais efetiva na questão cambial.

A partir do novo elenco acionado pelo governo, os sindicatos apontam a necessidade de acompanhamento tripartite sobre os efeitos da substituição da contribuição patronal sobre a folha de pagamentos para a Previdência Social por uma taxa sobre o faturamento, de modo a preservar a Previdência.

Reclamam, ainda, a obrigatoriedade de contrapartida, por parte das empresas beneficiadas por isenções fiscais, de geração e manutenção de empregos de qualidade, saúde e segurança, entre outras condições de trabalho decente. É inaceitável o discurso patronal de creditar a responsabilidade do "custo do trabalho" pelos atuais problemas de competitividade das empresas. Finalmente, é importante que os governos estaduais se valham dos instrumentos de que 2
dispõem para o fortalecimento da indústria – entre os quais o ICMS --, além da participação dos bancos estaduais no Programa Brasil Maior.

O passo seguinte, agora que se abriu campo para aliviar a dívida dos Estados com a União, é a aprovação da Resolução 72 do Senado, que, com as devidas mediações, pode encerrar a chamada "guerra dos portos" e ensejar o manejo mais firme da política fiscal.

O recurso a medidas de incentivo da economia, que reitera a trajetória do nosso governo em momentos de crise conjuntural, como em 2003 e 2008, foi antecipado durante a participação da presidenta Dilma Rousseff na 4
 operação abafa em torno do envolvimento do senador Demóstenes Torres (DEM-Goiás) com a organização criminosa comandada pelo notório Carlos, alcunhado de Carlinhos Cachoeira. As vinculações do senador com contrabando, jogo ilegal, escutas ilegais, arapongagem, interceptação de e-mails, favorecimento em nomeações, informação antecipada de operações policiais para proteger apaniguados, enfim um conjunto de crimes que as investigações da Polícia Federal desbaratou devem ser apurados no Congresso e, garantido o direito de defesa, exemplarmente punidos política e criminalmente.
Na Índia, para além de afirmações políticas relevantes -- como a de soluções pacíficas e negociadas no conflito da Síria; de apoio a negociações diretas com o Irã sobre seu programa de enriquecimento de urânio: e sobre a reconstrução da Líbia – a presidenta fez menção à crise nos países desenvolvidos, particularmente os da Europa. Chamou a atenção sobre a política monetária que vêm adotando, geradoras de excesso de liquidez que desestabiliza o câmbio nos países emergentes. Criticou, também, as medidas protecionistas no comércio mundial, oferecendo alternativas consistentes. Essa posição foi reafirmada e ampliada na visita aos Estados Unidos, além de, novamente, com muita firmeza, exigir o fim da exclusão de Cuba da Cúpula das Américas, imposta pelos EUA.

Vale notar que os países europeus, já não bastassem os cortes nas despesas sociais, deram agora início à flexibilização radical dos direitos trabalhistas. E, ainda mais grave, extinguindo o direito à negociação coletiva, na tentativa de eliminar o caráter normativo de convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que dão sustentação jurídica a este instituto.

Não por outra razão, crescem as manifestações de protesto entre os trabalhadores e a população em geral, augurando avanços, nos próximos pleitos eleitorais, para a esquerda que se opõe à receita marcadamente neoliberal.

A caracterização da situação internacional feita pelo 4º Congresso mostra-se válida e atual. O capitalismo neoliberal não só se mantém em crise como não aponta saídas capazes de voltar a dar dinamismo a um sistema internacional. Há claramente uma crise da hegemonia neoliberal. Ela deve ser suplantada com um projeto alternativo de desenvolvimento com justiça social, de democracia, de supremacia do público sobre o privado, de solidariedade internacional e paz. O Brasil tem um grande papel a jogar e está atuando nesse sentido, como o demonstram as iniciativas tomadas pelo Governo Dilma.

A segura condução que a presidenta Dilma vem imprimindo ao País e o reconhecimento deste fato pela população foram atestados, mais uma vez, pela nova edição da pesquisa CNI/IBOPE, que lhe atribui uma inédita aprovação de 77% -- o maior índice até agora registrado após 1 ano e 3 meses de governo. 3
Este marco – que ocorre ao se completarem dez anos desde que Lula assumiu a Presidência – vem carregado de forte simbolismo e abre uma oportunidade para promovermos um debate partidário e na sociedade sobre as necessidades do próximo período histórico. Consolidar o que foi conquistado neste período é necessário, mas é fundamental fazer avançar nosso projeto, vez que a crise mundial – e de hegemonia das grandes potências – possibilita a busca e construção de alternativas.

Neste sentido, aprofundar nosso projeto nacional de desenvolvimento e reformar o sistema político brasileiro são tarefas inadiáveis. O Estado que temos hoje foi projetado para atender a um país "pequeno", "subordinado". Muitos dos processos atuais são os mesmos utilizados nos anos 70 e que não mais correspondem às necessidades do País.

A construção de uma alternativa ao neoliberalismo exige uma forte iniciativa para democratizar a ordem internacional e para reduzir as enormes diferenças de desenvolvimento e de renda entre os povos. Esse processo exige outra correlação de forças, o deslocamento do centro dinâmico da economia mundial para fora da hegemonia dos EUA e Europa e a iniciativa de construir um novo padrão monetário alternativo ao dólar. Do mesmo modo são fundamentais avanços mais rápidos na constituição da Unasul e de novas instituições políticas e econômicas internacionais.

Carecemos de um Estado moderno, indutor do desenvolvimento, planejador, fiscalizador, regulador e presente em todos os rincões.

Do mesmo modo, o sistema político e a reforma política não podem cingir-se à reforma eleitoral e às eleições de outubro – ainda que a aprovação do relatório Fontana, na Câmara dos Deputados, seja um passo importante no aperfeiçoamento do sistema, pois acaba com o financiamento privado das campanhas, institui o voto em listas mistas e amplia as formas de participação popular no processo político.

O que se requer, mais que nunca, é o aprofundamento da democracia no Brasil, com a possibilidade de maior participação do povo na formulação e decisão sobre políticas públicas, na vida dos partidos, na sua valorização como cidadãos(ãs) – e não apenas no direito de votar a cada dois anos, que é importante mas não suficiente.

Na conjuntura atual, há duas questões essenciais para o avanço e consolidação do sistema democrático no Brasil. A primeira delas é a nomeação e consequente funcionamento da Comissão da Verdade, para que se esclareça, em definitivo, o que ocorreu com centenas de militantes políticos torturados e assassinados pela ditadura de 1964.

O destino dos "mortos e desaparecidos" é condição para que o País se reencontre com sua história e não com a mentira e ocultação que o regime 4
ditatorial impôs à sociedade. A verdade histórica fortalece a democracia e contribui para que nunca mais se repitam os crimes contra a humanidade perpetrados naquele período.

Os atos públicos contra torturadores, realizados espontaneamente por jovens em várias cidades e por eles denominados de "escrachos", vocalizam o clamor público em favor da apuração da verdade e se contrapõem às manifestações retrógradas de militares que mancham a antiga tradição do Clube Militar, presidido no passado pelo general nacionalista Estillac Leal.

O PT saúda a agenda de mobilizações que os principais movimentos sociais do Brasil desenvolvem até o encontro internacional da Rio +20, em junho, no Rio de Janeiro. Saudamos a jornada de lutas pela Reforma Agrária iniciada pelo MST neste mês, homenageamos as vítimas da violência no campo por ocasião do dia 17 de abril, data do massacre de Eldorado do Carajás. Saudamos o 1o. de Maio, Dia Internacional de Luta dos Trabalhadores e das Trabalhadoras, as mobilizações indígenas preparatórias do Acampamento Terra Livre em junho no Rio de Janeiro, a Cúpula dos Povos que se instalará no Rio de Janeiro por ocasião da Rio + 20, e o Dia Mundial de Luta contra o Capitalismo por Justiça Social e Ambiental, definido no âmbito da Assembléia dos Movimentos Sociais.

No Congresso Nacional, há ainda resistências a uma agenda progressista com a qual o PT se identifica e patrocina. Setores conservadores travam importantes matérias com as quais novamente nos comprometemos: a aprovação da PEC do Trabalho Escravo, que esperamos seja o gesto concreto do Congresso Nacional ao trabalho, para superar essa chaga ainda presente no Brasil do século XXI; e aprovação da PEC que criminaliza a homofobia, paralisada por fortes pressões fundamentalistas.

A recente aprovação da constitucionalidade da PEC 215 pela Comissão de Constituição de Justiça da Câmara dos Deputados, põe em risco a demarcação de terras indígenas, quilombolas e de unidades de conservação, um retrocesso que deve ser enfrentado com prioridade pelo PT e pelo governo. Na mesma linha de combate ao ataque aos direitos dos povos marginalizados à terra, o PT manifesta sua expectativa de um claro posicionamento do Supremo Tribunal Federal em favor da constitucionalidade do decreto 4.887/03, que permitiu até o momento a demarcação das terras quilombolas.

A outra questão, sempre destacada em nossas campanhas e nas de forças do campo democrático-popular, é a da democratização dos meios de comunicação. O marco regulatório da radiodifusão tarda a chegar ao Congresso Nacional, em descompasso com as exigências reiteradas dos movimentos populares e das centrais sindicais.

Agora mesmo, ficou evidente a associação de um setor da mídia com a organização criminosa da dupla Cachoeira-Demóstenes, a comprovar a urgência de uma regulação que, preservada a liberdade de imprensa e a livre expressão de pensamento, amplie o direito social à informação. 5

Por fim, mas não menos importante, cabe ao PT impedir que se consume uma
 Brasília, 12 de abril de 2012.

Comissão Executiva Nacional do PT
São imensas as pressões para que ele, uma vez desfiliado do DEM, renuncie ao mandato. Espera-se com isso impedir que se puxem os fios da meada de um esquema corrupto do qual o senador parece ser uma peça entre muitas outras igualmente importantes. As gravações divulgadas até o momento envolvem o próprio governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), bem como apontam estreitas ligações entre o meliante Cachoeira e veículos de comunicação.

Em sintonia com nossas Bancadas na Câmara dos Deputados e no Senado, o PT conclama a militância e os movimentos sociais a defender a instalação da CPMI destinada a investigar práticas criminosas desvendadas pelas Operações "Vegas" e "Monte Carlo", da Polícia Federal.

O Brasil inicia o debate das próximas eleições municipais. Essa nova conjuntura política ainda está em formação, com as pesquisas indicando, muitas vezes, situações passadas e não o que ainda está por vir. Devemos ter confiança no nosso povo e construir processos capazes de dialogar com suas esperanças. Por isso mesmo, cabe ao partido dedicar-se ao melhor e mais unitário processo de definição de táticas e escolhas de candidaturas. Em todos os estados realizaremos, através da nossa Escola Nacional de Formação, cursos para candidatos e candidatas, reforçando e renovando o modo petista de governar e legislar. Em sintonia com a grande obra dos nossos governos Lula e Dilma apresentaremos programas municipais para resolver problemas e integrar os municípios na nova dinâmica de desenvolvimento com distribuição de renda. Conclamamos nossa combativa militância à mobilização desde já, para forjarmos uma série memorável de novas conquistas na democracia brasileira.
spread e juros dos financiamentos do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, com o intuito de baratear o crédito para a produção e o consumo no País, sinalizam a intenção do governo Dilma de continuar enfrentando os efeitos da crise internacional na linha oposta dos países que originaram o descalabro da economia global.

Brasília, 12 de abril de 2012.

11 de abril de 2012

Novo código florestal: do sonho ao protesto da utopia ambiental

Lindbergh Farias

A Câmara dos Deputados votará, até o próximo mês, o substitutivo do Senado ao projeto de lei que altera o Código Florestal. Apesar de o substitutivo do Senado ter aprimorado a proposta, o resultado continua sendo negativo. E não parece realista esperar novidades promissoras na etapa que se aproxima. O Brasil corre sério risco de retrocesso.

Infelizmente, o atual debate sobre código florestal emite para o mundo uma mensagem que frustra as melhores expectativas internacionais decorrentes da nossa demonstrada capacidade de reduzir desigualdades e de crescer em meio à tormenta internacional. Na mesma linha, o sinal que o Parlamento envia para os brasileiros não deixa margem a dúvidas: o desmatamento será anistiado, as transgressões à lei serão perdoadas. As mortes dos que se sacrificaram para proteger nosso tesouro biodiverso, e nossas florestas, serão em vão. Rirão por último os que apostaram na tradição brasileira da impunidade.

Com o atual texto do projeto de lei, o país perde a oportunidade de convergir o debate da crise econômica mundial e as contribuições que uma nova regulação florestal poderia trazer. Em ambos, trata-se de uma atuação mais estratégica, focada em inovação tecnológica e institucional, buscando regulação e planejamento de longo prazo – o que não tivemos nos últimos trinta anos.

Em diversas oportunidades, a presidenta Dilma foi contundente ao afirmar que o governo brasileiro não aceitará retrocesso ambiental. Nas palavras da presidenta: “temos que ser verdes produtivos”.

Lembro que, em junho, o Brasil sediará a Rio + 20, maior conferência sobre o meio ambiente do Planeta. Não podemos apresentar ao mundo uma legislação mutilada. O Brasil é uma potência agrícola respeitada pelo mundo inteiro exatamente porque é uma potência ambiental. Por isso, a bandeira eleita pelo governo brasileiro para o encontro mundial no Rio é a economia verde. Para que o Brasil se torne a quinta economia do planeta, deve articular crescimento econômico, distribuição de renda e sustentabilidade ambiental.

A proposta de novo Código não reflete a via de desenvolvimento que merece ser seguida: expandir a produção, estimular os produtores, valorizar o setor mais dinâmico da economia e, ao mesmo tempo, agregar valor aos produtos agrícolas, associando a dinâmica produtiva à implantação de uma linha sustentável de desenvolvimento, cuja base é o respeito rigoroso ao meio ambiente. O novo código não abriga esse compromisso com o equilíbrio.

Além disso, o debate sobre o novo código florestal demonstra que a impunidade nacional não se aplica a todos, indistintamente. Não é, digamos, equânime. Trata-se de uma impunidade seletiva, que enche cadeias e penitenciárias com transgressores pobres, mas preserva os poderosos com postergações, privilégios, prerrogativas, perdão de dívidas, quando não a oferta de novos créditos e mais estímulo. Essa lastimável tradição agride os que cumpriram a lei como um escárnio. O novo código premia quem apostou no Brasil velho, oligárquico e patrimonialista. Que lição é essa que ensinamos, como nação, a respeito de nós mesmos?

O sinal dessa tolerância inadmissível está na data escolhida como referência para suspender e rever, sob moderadas condições, multas e punições: 22 de julho de 2008. Ironicamente, a data em que o presidente Lula assinou um decreto que visava endurecer o jogo com os proprietários de terra que descumpriam as leis. Pois, agora, converteu-se em data da alforria para os transgressores. Não há argumento razoável capaz de justificar a escolha dessa data. Impôs-se o puro e simples interesse, atropelando qualquer consideração racional. A referência histórica óbvia seria 1998, quando se promulgou a Lei contra os crimes ambientais.

 Anistiar desrespeitos ao Código florestal anteriores a 1998 seria compreensível, embora polêmico. Afinal, o país ainda vivia um momento de reorganização, no rastro das transformações determinadas pela nova Constituição federal, promulgada em 1988. A nova ordem mal começava a entrar nos eixos e a ser assimilada pela sociedade. O país ainda se exercitava para sua longamente ansiada experiência democrática. Era compreensível considerar a Lei de 1998 um divisor de águas e uma repactuacão.

Portanto, o que tivesse sido perpetrado antes disso talvez merecesse um tratamento diferenciado, dependendo do atendimento a algumas condições. No entanto, 2008? Devemos apagar dez anos de vigência da Lei? Tolerar dez anos de crimes ambientais? Com que autoridade os novos limites serão exigidos, daqui para a frente? As vidas sacrificadas, os anos de luta, a devastação provocada: tudo será esquecido na geléia geral de uma amnésia coletiva, chancelada pelos políticos? E tudo isso em meio a um novo texto que reduz limites e entraves ao desmatamento?

Não se diga que, apesar da tolerância e das flexibilizações, os transgressores terão de restaurar o que devastaram. Não é verdade. A verdade tem de ser conhecida. Ela é dura e chocante: aplicado o novo código, pelo menos 20 milhões de hectares destruídos não serão recompostos. Portanto, minha indignação com a anistia não se limita ao aspecto moral ou relativo à cultura cívica. Tem também um motivo eminentemente prático e objetivo: o custo será ambiental, medido em hectares e efeitos climáticos.

E mesmo quando o texto do novo código tem a oportunidade de fazer justiça, dando tratamento diferenciado para os agricultores familiares, ainda corre o risco de ser subvertido por brechas legislativas. O substitutivo do Senado aperfeiçoou proposta ao criar capítulo específico para os agricultores familiares. Contudo, objetivo tão nobre corre risco de ser corrompido, por equiparar outros segmentos que não demandam tratamento específico e por não se resguardar da possível fragmentação das áreas - que também levará a equiparação inapropriada.

Definitivamente, o projeto de novo código florestal não moderniza o anterior, que, de fato, requeria atualização. O novo código nasce velho, curvado sob o peso de arcaicos vícios brasileiros, e aponta para posições dúbias. Enquanto é conivente com a depredação de nosso patrimônio ambiental, não lida com as verdadeiras questões estruturais - as patologias do capitalismo, do modelo produtivo vigente, o sentido de modernidade, o próprio conteúdo ético da relação homem-natureza, o individualismo exacerbado, a perda da identidade coletiva. A questão ambiental é uma questão ideológica e, portanto, política.

Por isso, o país prende a respiração à espera do veto da presidenta Dilma. Sobre seus ombros repousam imensas responsabilidades e a esperança de milhões de brasileiros. E não apenas de brasileiros, nem só de ambientalistas. Importantes entidades da sociedade civil – como a CNBB e a ABPC — opuseram-se ao novo Código. A opinião pública tem se mostrado amplamente favorável à proteção do meio ambiente e de nossa biodiversidade, e suficientemente consciente de que defender nosso inestimável patrimônio natural não significa opor-se ao desenvolvimento, mas qualificá-lo e torná-lo sustentável. Entretanto, a maioria da representação política, nas duas Casas do Congresso, virou as costas para a vontade da maioria e para o futuro do país.

10 de abril de 2012



MAIS UMA SOLUÇÃO
João Couto


Nos chalés da Vila Operária moram muitas famílias de baixa renda, a maioria, diga-se de passagem.. Quando as casas foram colocadas à venda pela CGTEE verificou-se que a Caixa Econômica Federal não tinha, e ainda não tem, um programa para financiá-los. Desta forma os chalés só podem ser comprados à vista pelos seus moradoes. Justamente aqui foi criado um problema muito sério: a maioria dos moradores dos chalés não tinham, e ainda não tem, os R$15.000,00 poupados para efetuar a compra, por causa de sua renda. Por isso, dos 79 chalés atualmente existentes, apenas 16 foram vendidos até agora.

Não existe recusa, nunca existiu, dos moradores em comprar esses imóveis. Todos querem. Mas apenas uma pequena parcela tinha reunido condições para isso.. Por causa desse problema moradores passaram a procurar-me, angustiados por não verem uma saída e com medo de uma imaginada desocupação.

A partir daí passsamos a dialogar. Estas conversas desembocaram em assembleias nas quais debatemos algumas propostas.

Tendo em vista que a quase totalidade dos moradores dos chalés é constituída de famílias de baixa renda, essa área caractriza-se como uma “ ocupação de interesse social “ com o que merece atenção especial, diferenciada, dentro de uma visão de Justiça Social em que o Estado, diretamente ou por meio de seus mais diversos órgãos, deve suprir as dificiêmcias de cidadãos vítimas de injustiças sociais. Este é um desses casos.

A proposta encaminhada pelos moradores dos chalés a Diretoria da CGTEE foi a de que a empresa, utilizando-se das leis federais 9.636/98 e 11.481/07, transferisse os chalés para a Secretaria de Patrimônio da União ou diretamente para o Município de Candiota para, a paritir de então, iniciarem-se negociaçoes com os moradores dentro de suas reais possibilidades, dando-se as mais diversas soluções, caso a caso, como a Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia - CUEM ou a venda direta, parcelada a longo prazo, com prestações suportáveis pelas já exíguas receitas da maioria.

Nesta terça-feira, 10 de abril de 2012 o Presidente Sereno Chaise, acompanhado do Diretor Administrativo, Dr. Sandro Oliveira, de sua Chefe de Gabinete Dra. Neuza Azevedo e do Advogado Joelto Frasson e com a pesença do Prefeito Folador propôs às famílias moradoras a venda direta em até dez anos, ou 120 meses, sem juros nem correção monetária, por meio de um contrato de compra e venda, com o preço de R$15.000,00. Isto significa uma prestação de R$125,00 por mês, do começo até o fim dos pagamentos, uma prestação que não subirá. E as famílias com muito baixa renda, incapazes de pagar até mesmo essa prestação, não serão pressionadas nem retiradas de suas moradias.

Consultei várias pessoas sobre se estavam ou não satisfeitas. Todas as consultadas afirmaram estar contentes com a solução.

O Prefeito Folador acompanhou passo a passo essa luta e foi um grande parceiro, sempre vigilante para que fosse bem sucedida. É, também, importante destacar o grau de compreensão e a sensibilidade do Presidente Sereno Chaise para o drama de mais de sessenta famílias para as quais o Sistema Financeiro da Habitação não tem uma solução.

Foi uma grande vitória dessas famílias que se mobilizaram, saíram de casa, reuniram-se várias vezes, fizeram o debate necessário e contaram com meu respaldo e acompanhamento nessa luta exitosa. Foi mais uma solução de problemas de cidadãs e cidadãos de Candiota que contou com minha dedicação e meu esforço devido ao compromisso que tenho com os que mais precisam e com a construção de uma Sociedade Justa.
O torturador na vitrine
Escrito por Mário Maestri

Brasil de Fato - Quarta, 04 de Abril de 2012 

 O torturador debruçava-se sobre a vítima com objetivos imediatos. Através da destruição física e psicológica, buscava quebrar a vontade do torturado para que denunciasse companheiros; revelasse locais de encontro e reunião; indicasse atos passados e futuros. Exigia que tudo revelasse, a fim de interromper a dor lancinante e o medo à dilaceração irremediável da existência, vivida em extrema solidão

.A tortura durava minutos ou se mantinha por horas, dias e semanas; podia deixar feridas, mais ou menos indeléveis, ou desembocar intencionalmente ou não na morte, sobretudo diante de vontade inquebrantável.

 Após sevícias inomináveis, Mário Alves morreu de hemorragia interna, empalado em cassetete, por esbirros indignados com o mutismo férreo do baiano.

A tortura possuía objetivo mais ambicioso. Almejava impor o medo aos que resistiam, pensavam em resistir, eram chamados à resistência, simpatizavam com ela ou conheciam sua existência. Todos deviam vigiar atos e passos, para não terminarem diante do torturador.

 Pais foram torturados diante dos filhos pequenos; jovens foram estupradas por cães; militantes foram dilacerados até a morte, como registro do direito absoluto do torturador.

 Devido a essa função pedagógica, enquanto a ditadura negava a prática da tortura, permitia-se que seu conhecimento penetrasse e aterrorizasse amplos segmentos da população.

No Brasil, a tortura como arma policial e como instrumento de domínio social foi instituição de Estado. Ela foi introduzida, sustentada, justificada, financiada, apoiada ativamente pelas classes sociais que incentivaram e se locupletaram com o golpe militar: industriais, banqueiros, latifundiários, a grande imprensa, políticos conservadores, oficiais da ativa e retirados, a alta hierarquia da Igreja e da Justiça etc.

Ainda hoje, as instituições judiciárias, legislativas e executivas do Estado desdobram-se para proteger e encobrir os responsáveis e os executores das práticas generalizadas de tortura e execução de prisioneiros políticos, atos que a justiça internacional e o direito dos povos definem como imprescritíveis e necessariamente objetos de punição exemplar

.Em 2010, o Superior Tribunal Federal reafirmou a impunidade daquelas ações criminosas. Em 14 de dezembro de 2011, a maioria dos vereadores porto-alegrenses, inclusive de partidos punidos pela ditadura – PDT, PTB, PPS, PT –, negou, pelo voto, abstenção ou ausência, a rebatizar de Leonel Brizola a atual avenida Castelo Branco – que homenageia o primeiro ditador do regime militar.Os torturados arrastaram para sempre as feridas recebidas nas carnes e na alma. Amiúde, elas nunca cicatrizaram, sorvendo gota por gota a alegria da vida. Também no Brasil, a taxa de suicídio entre os grandes torturados é estarrecedora, e segue crescendo mesmo décadas após o martírio. Porém, em geral em silêncio, essas vítimas da desumanização promovida pelo Estado carregam orgulhosas a memória de luta empreendida, nas piores condições, por direitos sociais e humanos inarredáveis.Os torturadores, não. Promovidos em suas carreiras civis e militares e retirados com aposentadorias magníficas, procuram esconder seus atos passados ou diminuir a magnitude e o sentido dos mesmos, quando é impossível negá-los. Sobretudo, mimetizam-se na população comum ou simplesmente recolhem-se para a vida familiar e privada, escondendo-se por de trás das portas aferrolhadas de seus ricos apartamentos e mansões.

Retomando a prática consagrada em países como o Chile e a Argentina, uma garotada corajosa vem se postando diante das residências e locais de trabalho de torturadores em Porto Alegre, Belo Horizonte, Fortaleza, São Paulo. Com carros de som, cartazes, panfletos e muita gritaria, denunciam aos passantes e vizinhos espantados, com farta documentação probatória, que ali se homizia no anonimato gente responsável pelo crime inominável de tortura de prisioneiros e prisioneiras inermes.Em registro do indiscutível reconhecimento da infâmia de seus atos impunes, os torturadores revelados apenas se esgueiram pelas portas traseiras dos imóveis e residências ou arriscam-se a entrever os denunciantes, escondido por entre as cortinas das janelas, como os ratos que mergulham espavoridos no esgoto, aterrorizados pela luz do dia

.Mário Maestri é historiador e professor do curso e do programa de pós-graduação em História da UPF. Foi preso e exilado, quando estudante, durante a ditadura militar. E-mail: maestri(0)via-rs.net

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8 de abril de 2012

A crucificação de Cristo, o suicídio e a rebelião em Atenas

por Mauro Santayana
publicado em http://br.groups.yahoo.com/group/3setor/messages

O homem que prenderam, interrogaram, torturaram, humilharam, escarneceram e crucificaram, na Palestina de há quase dois mil anos, foi, conforme os Evangelhos, um ativista revolucionário. Ele contestava a ordem dominante, ao anunciar a sua substituição pelo reino de Deus. O reino de Deus, em sua pregação, era o reino do amor, da solidariedade, da igualdade. Mas não hesitou em chicotear os mercadores do templo, que antecipavam, com seus lucros à sombra de Deus, o que iriam fazer, bem mais tarde, papas como Rodrigo Bórgia, Giullio della Rovere, Giovanni Médici,  e cardeais como os dirigentes do Banco Ambrosiano, em tempos bem recentes. O papa reinante hoje, tão indulgente com os gravíssimos pecados de muitos de sua grei, decidiu, ex-catedra, que as mulheres não podem exercer o sacerdócio.

Ao longo da História, duas têm sido as imagens daquele rapaz de Nazaré. Uma é a do filho único de Deus, havido na  concepção de uma jovem virgem, escolhida pelo Criador. Outra, a do homem comum, nascido
como todos os outros seres humanos, em circunstâncias de tempo e lugar que o fizeram um pregador, continuador da missão de seu primo, João Batista, decapitado porque ameaçava o poder de Herodes Antipas. Tanto João, quanto Jesus, foram, como seriam, em qualquer tempo e lugar, inimigos da ordem que privilegiava os poderosos. Por isso – e não por outra razão – foram assassinados, decapitado um, crucificado o outro.

Um e outro tiveram dúvidas, segundo os evangelistas. João Batista enviou emissário a Jesus, perguntando-lhe se era mesmo o messias que esperava, e Cristo, na agonia, indagou a Deus por que o abandonava. Os
dois momentos revelam a fragilidade dos homens que foram, e é exatamente nessa debilidade que encontramos a presença de Deus: os homens sentem a presença do Absoluto quando as circunstâncias o negam. João Batista sentia-se movido pela fé, ao anunciar a vinda do Salvador.

Era um ativista, pregando a revolução que viria, chefiada por outro, pelo novo e mais poderoso dos profetas. Ao saber que Cristo pregava e realizava milagres, supôs que ele poderia ser aquele que esperava, mas duvidou. Nesse momento, moveu-se pela esperança de que o jovem nazareno fosse o Enviado – o que confirmaria a sua fé. Cristo, na hora da morte, talvez levasse a sua dúvida mais adiante, e se perguntasse se a sua morte, que previra e esperara, serviria realmente à libertação dos homens – desde que salvar é libertar. O Reino de Deus, sendo o reino da justiça, é a libertação. Daí a associação entre essa felicidade e a vida eterna, presente em quase todas as religiões. Na pregação de Cristo, a libertação começa na Terra, na confraternização entre todos os homens. Daí o conselho aos que o quisessem seguir, e ainda válido – repartissem com os pobres os seus bens, como fizeram, em seguida, os seus apóstolos, ao criar a Igreja do Caminho. Se acreditamos na vida eterna, temos que admitir que a vida na Terra é uma parcela da Eternidade, que deve ser habitada com a consciência do Todo. Assim, a vida eterna começa na precariedade da carne.

Quarta-feira passada – quando em São João del Rei, em Minas, a Igreja celebrou o Ofício das Trevas no rito antigo – um grego, Dimitris Christoulas, chegou pela manhã à Praça Syntagma, diante do Parlamento Grego, buscou a sombra de um cipreste secular, levou o revólver à têmpora, e disparou. Em seu bilhete de suicida estava a razão: aos 77 anos, farmacêutico aposentado, teve a sua pensão reduzida em mais de 30%, ao mesmo tempo em que se elevou brutalmente o custo de vida. As medidas econômicas, ditadas pelo empregado do Goldman Sachs e servidor do Banco Central Europeu, nomeado pelos banqueiros primeiro ministro da Grécia, Lucas Papademos,  não só reduziram o seu cheque de aposentado, como o privaram dos subsídios aos medicamentos. “ Quero morrer mantendo a minha dignidade, antes que me veja obrigado a buscar comida nos restos das latas de lixo” – escreveu em seu bilhete de despedida, lido e relido pelos que tentaram socorrê-lo, e que sereuniam na praça.

“Tenho já uma idade idade que não me permite recorrer à força –  mas se um jovem agora empunhasse um kalashinov, eu seria o segundo afazê-lo e o seguiria”.

No mesmo texto, Christoulas incita claramente os jovens gregos sem futuro à luta armada, a pendurar os traidores, na mesma praça Syntagma, “como os italianos fizeram com Mussolini em Milão, em 1945”. O tronco do cipreste se tornou  painel dos protestos escritos. Em um deles, o suicídio de Christoulas é definido como um “crime financeiro”.

A morte de Christoulas, em nome da justiça, pode trazer nova esperança ao mundo, como a de Cristo trouxe. Não importa muito se ainda não foi possível construir o reino de Deus na Terra, e tampouco importa que o nome de Cristo tenha sido invocado para justificar tantos e tão repugnantes crimes. No coração dos homens de boa vontade, qualquer que seja o seu calvário – porque todos os homens justos o escalam, onde
quer que nasçam e morram – a felicidade os visita quando comungam do sentimento de amor de Cristo pela Humanidade. Nesses momentos, ainda que sejam apenas segundos fugazes, habitamos o Reino de Deus.

Nunca, em toda a História, tivemos tanto desdém pela vida dos homens, como nestes tempos de ditadura financeira universal. Estamos vivendo vésperas densas de medo, mas dentro do medo, há centelhas de esperança. A morte do aposentado, quarta-feira de trevas, em Atenas, é, com toda a carga trágica de seu gesto,  partícula de uma dessas centelhas.

Estamos cansados de sangue, mas o que está ocorrendo hoje – teorizem como quiserem economistas e sociólogos – é a etapa seguinte do grande projeto dos neoliberais, que vem sendo executado sistematicamente pelos que realmente mandam no mundo e que assumiram sua governança (para usar o termo de seu agrado), mediante a Trilateral e o Clube de Bielderbeg, controlados, como se sabe, por meia dúzia de poderosas famílias do mundo. Esse projeto é o de dizimar, por todos os meios possíveis, a população, e transformar a Terra no paraíso dos 500.000 mais poderosos, ricos e eleitos, em oposição à utopia cristã. Mas é improvável que os pobres, que são a maioria, não identifiquem seu real inimigo, e se sacrifiquem, sem resistência, ao Baal contemporâneo – esse sistema financeiro que acabou com a antiga sacralidade da moeda, ao emitir papéis sem nenhuma relação com os bens reais do mundo, nem com a dignidade do trabalho. A força da mensagem do nazareno deve ser retomada: os oprimidos – negros, brancos, mestiços, muçulmanos,cristãos, budistas e ateus – devem compreender que os habita o homem, e não animais distintos, destinados à violência em proveito dos promotores da barbárie.

Ao expirar, depois de torturado, ultrajado seu corpo, humilhado, escarnecido, Cristo se tornou a maior referência de justiça.  Aos 77 anos, o aposentado grego, ao matar-se, transformou-se em bandeira que ameaça iniciar, na Grécia, novo movimento em favor da igualdade – a mesma idéia que levou Péricles a fundar o primeiro estado de bem-estar social, ao reconstruir Atenas, empregar todos os pobres, e dotar os marinheiros do Pireu do pioneiro conjunto de casas populares da História.

Vinte séculos podem ter sido apenas rápido intervalo – um pequeno descanso da razão.