1 de janeiro de 2013

FORMAÇÃO, DEFROMAÇÃO E LEGALIDADE - O CASO SUS

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Por Hermann Hoffman – 21/12/12
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É certo que a crise do Sistema Único de Saúde (SUS) é uma consequência direta da escassez de profissionais. Se entende por recursos humanos em saúde a todos aqueles que desenvolvem atividades concretas nesta esfera, assim como os que ainda estão no processo de formação, no caso dos estudantes. Tomando como preâmbulo estas idéias, consonante entre quase todos os pesquisadores do tema, os recursos humanos em saúde vem a constituir a base fundamental dos sistemas sanitários, orientados para a melhoria da saúde da população e da equidade social, expresso nos princípios do “Chamado à Ação de Toronto 2006 – 2015” respaldado pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).

Segundo a Joint Learning Initiative no estudo denominado Human Resources for Health: Overcoming the crisis, existe uma relação íntima entre recursos humanos em saúde, expectativa de vida e os níveis de mortalidade. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelece a relação de 2,5 médicos por mil habitantes como o limite mínimo para uma cobertura próxima a adequada. O Brasil tem uma taxa de 1,95 profissionais por mil habitantes, enquanto Cuba tem uma taxa superior a (6,6) médicos por mil habitantes, Argentina (3,2) e Uruguai (2,9).

Paralelo à deficiência quantitativa de profissionais, é também questionável a defasagem na relação entre ensino em saúde e a realidade, dois fenômenos que no Brasil andam em direções contrárias e operam baixo lógicas diferentes devido aos inúmeros interesses. Neste sentido, tem sido perene a valorização do ensino em saúde centrado no mundo hospitalar, como o único possível para um “adestramento consistente”, quando na verdade, este modelo ultrapassado e ineficiente de docência apenas aprofunda o processo reducionista entre o estudante, professor e comunidade referente às práticas integradas no meio comunitário.

No caso específico da medicina, sem querer impor hegemonia, mais entendendo que compõe uma parte importante do núcleo de atenção à saúde, esta desregulação seja quantitativa ou qualitativa vem modificando o perfil do médico brasileiro socialmente aceitável, que além de contribuir diretamente para aprofundar a inequidades no SUS, converte a medicina na pequena ciência despersonalizada, desumanizada, mediocrizada e duvidosa no seu poder ante a complexa doença que atormenta a sociedade brasileira. Fruto desta incorporação de valores e conhecimentos fundamentalmente no âmago hospitalar, o raciocínio clínico vem sendo suplantado e reduzido a exames complementários operacionalizados por parafernálias médicas eletrônicas, que não deixamos de reconhecer o seu valor em determinadas situações patológicas. A medicina hoje vem a reproduzir energicamente a negação da imagem do homem que caracteriza a sociedade moderna.

Desta maneira, a temática da oferta de recursos humanos em saúde no Brasil é polêmica, aguda e de múltipla etiologia, tornando-se mais grave por um terceiro fator, além da quantidade e da qualidade, que é a heterogeneidade na distribuição geográfica dos médicos. Regiões que mais necessitam de serviços médicos integrados possuem cifras inferiores à demanda. No Nordeste, região mais pobre do país, de acordo com o Ministério da Saúde, no ano de 2005 existia um médico para cada mil habitantes e também os maiores índices brutos de mortalidade no país, enquanto na região Sudeste, a mais rica, esta relação era de 2,3 médicos por mil habitantes, com uma distribuição também desigual, já que o Rio de Janeiro e São Paulo concentram a maior densidade de médicos em detrimento dos outros municípios da mesma região.

Por outro lado, o Conselho Federal de Medicina (CFM), máximo órgão regulador da profissão, tem se manifestado a respeito do assunto da formação de recursos humanos, cooperação internacional e homologação dos diplomas dos profissionais da saúde que se graduam no exterior. Os obstáculos impostos pelo CFM tem uma gênese antiga e move-se por interesses claramente políticos e mercantis. Com a recente assinatura do acordo de cooperação internacional entre o Brasil e Cuba, instrumento que dará suporte legal a presença de um estimado superior a 3.000 médicos cubanos que atuarão no SUS, na Atenção Básica, em algumas regiões do Brasil a principio de 2013, iniciaram as baldeações nos escritórios do CFM.

A campanha lançada nacionalmente no dia 11 de dezembro de 2012 pelo conselho vai contra a proposta do governo federal de criação de novas faculdades de Medicina alegando que “É uma falácia dizer que faltam médicos” segundo as próprias palavras do presidente do conselho, Roberto Luiz D’Ávila para o jornal Estado de São Paulo. O CFM tem a finalidade principal de impedir abertura do mercado para os médicos cubanos e brasileiros formados fora do país, uma vez que ambos possuem um perfil que o SUS necessita.

Unido ao quadro de vastos interesses seja por parte do governo, do conselho, da indústria da saúde e das universidades, emerge a reprovação de mais da maioria (54,5%) dos recém-formados em medicina do Estado de São Paulo. A prova que continha questões básicas, foi aplicada pelo Conselho Regional de Medicina (Cremesp) e que se tornou obrigatória em 2012. Vergonhosamente todos os reprovados tem direito ao CRM (registro profissional), pela simples comprovação da presença na avaliação, independente da aprovação ou de ter marcado somente uma letra em todas as perguntas como forma de boicotar a avaliação.

Não temos recursos humanos em saúde suficientes uma vez que estes não satisfazem as necessidades da população; o perfil no processo de formação acadêmica em saúde nega o SUS; as políticas públicas que tentam fixar os médicos nas áreas mais remotas são invisíveis porque é desta maneira que muitos médicos olham para os pobres, como invisíveis. Quando pensamos que muitos profissionais da saúde podem representar um alívio para a sociedade, não passam de uma ameaça constante seja pela sua presença, ou pior, pela ausência. E para aqueles muitos que ainda não podem trabalhar como médicos, porque se formaram no exterior, é lógico pensar: o órgão que nega a legalidade do reconhecimento, subtrai do povo e do SUS as possibilidades.

 (…) Ele principiava a ser um médico de verdade, estava diante da vida, atendia os seus clientes com toda solicitude e às vezes tinha de esforçar-se para ser delicado e não se encolher diante de criaturas que, pelo aspecto físico ou pela natureza de seus males, lhe inspiravam repugnância ou mal-estar. Fazia-lhes perguntas, interessava-se pela vida deles. Aos poucos ia perdendo os velhos temores de fracasso e aquela sensação de que os outros não tinham confiança nele. Atira-se na clínica cheio de coragem e isso já era a metade da vitória. Olhai os Lírios do Campo, Érico Veríssimo
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* Hermann Hoffman, é sergipano, acadêmico do 5° ano de Medicina. Representante do Núcleo Internacional do PT em Cuba.
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