30 de junho de 2012

“Justiça social e sustentabilidade ambiental não combinam com capitalismo”

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Dezenas de pessoas lotaram a Tenda Milton Santos, na Cúpula dos Povos, na quinta-feira (21/6),  para debater  “A crise do Capitalismo e a construção de um modelo de desenvolvimento justo e sustentável”,  com Márcio Porchmann, professor de economia da Unicamp; João Pedro Stédile, da direção do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST); Márcio Macedo, deputado federal pelo PT-SE e Rui Falcão, presidente nacional do PT.
Foi unanimidade entre os debatedores que a crise econômica, financeira, social e ambiental pela qual atravessa o capitalismo é um momento propício para o surgimento de modelos alternativos capazes de superá-lo.
Márcio Porchmann disse que a crise que o mundo atravessa atualmente é mais profunda que a de 1929, pois o capitalismo está encontrando limites para o seu crescimento. “Estamos numa crise do sistema de produção e de geração de riqueza material e imaterial do capitalismo, pois ele não está conseguindo mais gerar valor”. “No entanto, o capitalismo tem grande capacidade para se dinamizar nesses momentos de crise”, afirmou.
No que diz respeito ao contexto internacional, Porchmann apresentou o deslocamento do centro dinâmico do mundo – dos EUA e Europa para a Ásia – com destaque para a China, maior centro manufatureiro mundial . “Resta-nos compreender se EUA e Europa irão aceitar esse deslocamento”,  indagou-se o professor, ao afirmar que EUA e Europa estão regredindo social e economicamente, tornando ainda mais difícil a manutenção do atual padrão de produção e consumo que possuem.
Nesse contexto Porchmann enxerga uma janela de oportunidades para o Brasil, que pode assumir papel de relevância no cenário internacional. “A crise é um momento oportuno para se recolocar no mundo, e fecundo para o aparecimento de novas possibilidades de superação do capitalismo”, argumentou.
Para superar o capitalismo, Porchmann disse que é fundamental compreender os desafios que estão postos para o socialismo do século XXI. “Teremos que enfrentar a fragmentação das lutas do presente, as quais se apresentam como empecilho para a construção de um projeto comum com elementos fundamentais. Outro desafio é a necessidade da esquerda compreender as mudanças que ocorreram no mundo do trabalho, devido a terceirização da economia e o aprofundamento do trabalho imaterial”, alertou.
Para Porchmann temos a oportunidade de construir uma nova agenda de superação do capitalismo, com novo padrão civilizatório. “A humanidade poderá experimentar o que é viver 100 anos, estudar a vida toda – num modelo em que o ensino superior seja o piso e não o teto, com jornada de trabalho de 12 horas por semana. Do contrário, o marco de saída da crise do capitalismo é o marco do aprofundamento da exploração do homem e da natureza”, afirmou.
O deputado federal Márcio Macedo (PT-SE), presidente da Comissão Mista de Mudanças Climáticas do Congresso Nacional disse que as questões ambientais em discussão na Rio+20 estão intimamente ligadas ao cenário de crise do capitalismo.
Para o deputado a relação de exploração homem natureza se esgotou e é preciso caminhar para uma nova economia, menos carbonizada e com novos índices de eficiência na indústria e na agricultura. Ele defende a utilização dos recursos do Pré-Sal para uma transição para energia limpa e a superação da dependência dos combustíveis fósseis. “Temos grande potencial e riqueza natural para novas fontes de energia,

tais como a solar, eólica”, citou.
Para Macedo o conceito de desenvolvimento sustentável é o novo paradigma da humanidade e precisa ser aprofundado nesse momento de crise. “A Rio+20 traz um acúmulo de 40 anos sobre o tema e pode trazer uma nova perspectiva para o século XXI, ao pensar novas possibilidades para o mundo nesse momento de crise”, afirmou o deputado, destacando o papel central do Brasil nesse processo, por ter aprofundado a democracia, ter distribuído renda e combatido a miséria.
Segundo ele, com a Rio+20, o debate ambiental deixará de ser ambiental e passará a ser econômico, devido ao conceito de economia verde que está sendo discutido na Conferência. “Esse é um conceito que está em disputa. O Brasil participa desse debate introduzindo o conceito de economia verde inclusiva, com destaque para a ampliação de direitos, distribuição de renda e erradicação da pobreza, em oposição ao modelo de economia verde meramente mercadológico e liberal dos países desenvolvidos”, explicou.
Macedo disse que as metas discutidas na Rio+20 são pouco ousadas e que não há consenso sobre quem irá pagar a conta da transição para um modelo de desenvolvimento sustentável global, que possibilite aos países mais pobres a adoção de tecnologias e práticas mais sustentáveis a partir da economia verde. “Temos que defender um modelo inclusivo, soberano e sustentável, em oposição à apropriação dos bens da natureza pelos países ricos”, completou.
“O grande legado da Rio+20 é o debate sistêmico que está sendo feito, com imensa participação da sociedade civil e do setor produtivo, fundamental para que o tema seja popularizado e ganhe força na sociedade os conceitos e princípios de uma nova geração, com novos paradigmas e padrões de desenvolvimento”, avaliou o deputado.
O presidente nacional do PT Rui Falcão destacou a participação do partido na Rio+20 e da iniciativa do governo brasileiro, ainda em 2007 (governo Lula), para a realização da Conferência, que reúne dezenas de chefes de estado de todo o mundo, com intuito de  discutir um futuro comum.
Falcão disse que é urgente pensar no destino do planeta, no desenvolvimento do presente, sem prejudicar as gerações futuras, assim como preconizado na Eco 92. Segundo ele muitas das frustrações da Eco 92 se devem ao apogeu do neoliberalismo naquele período. Falcão também compartilha da idéia de que há limites para o êxito da Rio+20, devido ao momento de crise dos EUA e Europa, de medidas de austeridade adotadas por países da União Européia.
“Esse é um momento difícil para fóruns multilaterais como esse realizado pela ONU, pois a crise não assegura que as resoluções da Rio+20 serão cumpridas”, analisou Rui Falcão ao destacar a incapacidade da governança global em lidar com temas dessa magnitude.
Falcão disse que há muitas reservas por parte de muitos países, de partidos de esquerda e dos movimentos sociais em relação à economia verde, e da possibilidade dela se resumir apenas a um marketing verde.
“Desenvolvimento sustentável e socialmente justo não rima com capitalismo e neoliberalismo”, afirmou  o presidente nacional do PT,  ao defender que os partidos de esquerda e os movimentos sociais pressionem os governos para um novo modelo de desenvolvimento justo e equilibrado, capaz de buscar a igualdade entre as pessoas e as nações, aprofundar a democracia,  dividir a riqueza e implantar novos padrões de produção e consumo.
João Pedro Stédile trouxe a visão dos movimentos sociais sobre o tema. “Nós do MST e da Via Campesina temos feito muitas críticas a forma como o governo vem conduzindo o debate. Somos completamente céticos à Rio+20, pela forma como conduziram a preparação do documento, em reuniões intermináveis, sem a participação da sociedade civil”.
Segundo ele o ceticismo parte da idéia de que o controle do mundo etstá nas mãos das grandes corporações e dos bancos, o que coloca em contradição o poder real do econômico sobre o poder político. “ A ONU não manda em nada”, afirmou.
Sobre a crise e seus impactos na realidade brasileira, Stédile disse que a partir de 2008, o capital financeiro entrou feito “avalanche” no Brasil, transformando o capital fictício/especulativo em patrimônio.
“O que estamos vendo é o capital financeiro internacional se apropriar de terras, de hidrelétricas, do Pré-Sal e das florestas. Nossos recursos naturais estão sendo desnacionalizados e privatizados, para posteriormente serem levados ao mercado supervalorizados, propiciando uma renda extraordinária a partir dessas riquezaz”, denunciou.
“Sem terra, ar, água e energia, ao final dessa crise sairemos muito mais pobres do que entramos”, sentenciou Stédile, ao exemplificar que setores como o sucroalcooleiro, que historicamente foi controlado pela elite brasileira, já está majoritariamente nas mãos de empresas transnacionais como a Shell e a Bunge.
Apesar de reconhecer os inúmeros avanços dos governos Lula e Dilma, Stédile criticou que a maioria absoluta dos investimentos do governo federal sejam direcionados ao capitalismo internacional e a setores da economia que não são sustentáveis, como o petróleo, a extração mineral e a celulose.
No debate com a plenária foram discutidos a necessidade de aprofundar a participação da sociedade em questões como a disponibilidade da água, a instalação de grandes empresas e a construção de hidrelétricas. Foi reforçado a necessidade de recolocar a possibilidade do socialismo nos dias de hoje, dada a conjuntura favorável do momento de crise e da urgência da mudança do atual modelo apresentada pelos palestrantes, bem como o papel central exercido pela juventude nesse processo de mudanças.

Wanderson Mansur – correspondente do Página 13 na Cúpula dos Povos/Rio+20