16 de agosto de 2012

SANTA CHATA
Quando guri, na década de 50 do Século passado, ouvi, muitas vezes, histórias da “ Santa Chata “ contadas por mineiros mais antigos. Talvez o valoroso e querido companheiro Cídio Jacobs também tebha ouvido e as conheça.

Eram histórias tristes, deprimentes, de desemprego, de queda nos rendimentos dos mineiros, de demissões, de angústias e depressão.

Naquela época já havia preconceito para com o carvão mineral. O petróleo entrara na concorrência. Muitas fábricas, como as de ladrilhos, tintas e outras, passaram a usar o novo combustível no lugar da hulha negra. A nossa tradicional e querida “Maria Fumaça” passou a ser substituída pela locomotiva a óleo. Houve enorme redução na utilização e as minas tiveram que reduzir as jornadas de trabalho.

O carvão era transportado por trens movidos a vapor, produzido pelo carvão mineral, até o Porto do Conde onde era transferido para barcaças que, ao receber a carga negra, quase submergiam. Daí seu apelido de “ Chatas”.

Com a redução do consumo do carvão, ao invés de atracarem no embarcadouro do Porto do Conde ( município de São Jerônimo ) todos os dias, como era antes, aparecia uma vez, ou duas  vezes, por semana. Quando isso ocorria era um rebuliço. O sorriso voltava aos rostos sofridos dos mineiros pois isso significava um dia, talvez dois dias, de trabalho naquela semana e uns “pilas” no bolso, mesmo que muito pouco. Essa era a SANTA CHATA. A Chata salvadora, que trazia, um pouco, de esperança, que diminuía, um pouco, a angústia e jogava, um pouco, de luz no tenebroso horizonte.

Encontrei, hoje, no Jornal do Comércio, um texto, na Coluna “Artigos”, de autoria do jornalista Isnar Ruas que faz lembrar daquelas histórias. Sob o título “ Carvão, um fracasso” ele conta um episódio dessa longa saga, turva, tortuosa e claudicante desse nosso Ouro Negro. ocorrido na década de 70, quando o mineiro Aureliano Chaves era o vice-ditador deste País. Abaixo vai o texto para conhecimento.

Carvão, um fracasso

Isnar Ruas

Nem todas as iniciativas dão certo, especialmente por falhas e total incompetência governamental. Nossa história teve início há cerca de 60 anos, quando surgiu a Companhia Riograndense de Nitrogenados (CRN), com a função principal de dar um destino nobre ao carvão, produto que despertava atenção mundial, enquanto aqui enfrentava bom índice de rejeição. A CRN, dirigida por dois técnicos de alto gabarito e ambos de projeção mundial, o economista e professor Roberto Pires Pacheco, e o engenheiro-químico Nissin Castiel, assessorados  pelo também competente advogado e jornalista Roberto Eduardo Xavier, deu  viabilidade ao projeto de produzir energia a partir do uso do carvão, dentro de um processo que eliminava o excesso de cinzas. A utilização inicial seria na indústria de Rio Grande. A estrutura foi edificada mesmo naquela cidade litorânea.

Lá estiveram visitantes técnicos de várias partes do mundo, aprovando o que estava sendo feito. A fábrica iniciou com êxito o seu trabalho, significando ampla possibilidade de economia de óleo. Mas, de repente, o governo federal, sem explicações, decidiu parar o empreendimento. O equipamento lentamente foi transformado em sucata.  A única coisa aproveitável foi o conhecimento que, se disse, seria comercializado com a Universidade da Índia. Esteve em Porto Alegre o vice-presidente Aureliano Chaves, desmentindo especulações de que teria havido pressão das Sete Irmãs (sete maiores fabricantes mundiais de combustível). Mas, na real, o vice-presidente nada explicou. Acentuou que o tema não teria volta. E, no mais, foi um sonho que acabou.                                                                                                                                        

Jornalista

27 de julho de 2012

Ser humano: espécie invasora?

artigo de José Eustáquio Diniz Alves

Ser humano: espécie invasora?

O ser humano é fruto de uma longa evolução das espécies em meio à biodiversidade do Planeta. Isto não quer dizer que somos os animais maiores, mais fortes e mais rápidos da natureza. Ao contrário, o ser humano nasce de maneira bem débil e sem poder caminhar e procurar a sua própria comida. Em geral, o ser humano não pode nadar grandes distâncias e não pode voar. Também não possui em sua constituição física garras para se defender ou atacar e nem venenos para paralisar suas vítimas ou predadores. Não possui nem penas e nem pêlos para se proteger do frio. O ser humano é uma espécie bastante frágil.

Porém, esta espécie natural e biologicamente frágil desenvolveu uma arma poderosíssima que é o cérebro. O homo sapiens (homem sapiente) desenvolveu o raciocínio, a linguagem, a cultura e as civilizações. A inteligência humana também foi fruto de um longo processo de evolução que se aprimorou enfrentando as adversidades da natureza. Para superar suas fragilidades, o homo sapiens passou a construir ferramentas e se transformou em homo faber (homem fabricante). Uma coisa fortaleceu a outra, pois a inteligência permite construir ferramentas e utensílios e a construção destes aparelhos ampliou os limites da inteligência. O cérebro desenvolvido permite a resolução de problemas práticos e a postura ereta do homo erectus (bípede) possibilitara o uso dos braços para manipular objetos, especialmente com a capacidade prensil do polegar. Foi assim que o ser humano conquistou uma grande mobilidade espacial e social.

Primeiro, o ser humano aprendeu a usar a pedra lascada, depois a pedra polida, as lanças, o arco e flexa, as facas, etc. Aprendeu a controlar o fogo para cozinhar, gerar calor e luz. Depois juntou o fogo com o domínio da mineração para construir ferramentas e armas com os avanços da metalurgia. Inventou a roda e os meios de transporte. Criou o zero, o sistema decimal de números e o sistema binário (zeros e uns) que, hoje em dia, são a base da sociedade da informação. Aprendeu a plantar e a domesticar os animais para melhorar sua alimentação. Depois construiu cidades, fábricas, hospitais, escolas, carros, trens, aviões, navios, submarinos, etc. Com isto, o ser humano passou a andar, nadar e voar por todo o planeta e se tornou uma espécie onipresente na Terra. Hoje em dia, os homens e mulheres podem dizer: “está tudo dominado”.

Tudo começou há cerca de duzentos mil anos. Os estudos com o DNA mitocondrial de fósseis humanos mostram que a espécie teve origem na África oriental. A expansão e a migração do homo sapiens para fora do continente africano começou há cerca de cem mil anos.

A primeira diáspora bem sucedida aconteceu entre 90 mil e 85 mil anos, quando um grupo de homo sapiens atravessou o Mar Vermelho e seguiu em direção ao sul da Ásia. Entre 85 mil e 75 mil anos chegaram à Índia, Indonésia e ao sul da China. Entre 65 mil e 50 mil anos, um fluxo chegou à Austrália e outro ao Oriente Médio (até o Bósforo). Entre 50 e 45 mil anos, chegaram à Europa. Entre 45 e 40 mil anos, novos grupos de migrantes chegaram à Ásia Central, Tibet, interior da China, Córeia e Japão. De 40 a 25 mil anos, outros fluxos chegaram à Rússia, ao Circulo Polar Ártico, à Sibéria e ao estreito de Bering. De 25 a 22 mil anos um pequeno grupo chegou à América do Norte. Mas os rigores da Idade do Gelo restringiram a expansão humana. Entre 15 e 12 mil anos a diáspora que começou na África, se espalhou pela América do Norte e chegou à América Central e à América do Sul.

Com o fim da Idade do Gelo, entre 10 mil e 8 mil anos atrás, houve expansão da agricultura e o ser humano se espalhou pelo Globo, ocupando todos os continentes e todas as regiões do mundo. Estima-se que a população mundial passou de poucos milhares de indivíduos há 50 mil anos para 5 milhões de habitantes há 8 mil anos, cerca de 250 milhões de habitantes no ano 1 da era Cristã, algo em torno de 500 milhões no ano de 1500 (descobrimento do Brasil), 1 bilhão em torno do ano 1800 e 7 bilhões de habitantes em 2011. Estima-se que a soma de todas as pessoas nascidas desde o surgimento do homo sapiens chegue na casa de 110 bilhões de pessoas.

Diversos historiadores consideram que a migração humana foi um sucesso e que a humanidade criou uma grande civilização cheia de realizações e invenções geniais. Porém, existem outros historiadores que consideram que o ser humano, a despeito de ter realizado algumas obras geniais, tem causado muitos danos à natureza e ao Planeta. As migrações humanas desde a África trouxeram grandes destruições ambientais e a biodiversidade dos biomas foi alterada.

A natureza do continente americano sofreu muito com a chegada humana, especialmente após o crescimento do volume de pessoas. Por exemplo, as migrações humanas que chegaram à ilha de Páscoa (Rapa Nui), pertencentes atualmente ao Chile, acabaram por destruir a natureza local e a própria civilização da terra dos Moais. A civilização Nasca no Peru, além de fazer as famosas linhas de Nasca, contribuiram para a degradação ambiental ao cortar as árvores locais que resistiam à pouca precipitação pluviométrica.

Mas foi após a chegada de Cristóvão Colombo que os danos ao meio ambiente se intensificaram e a crise ambiental se agravou progressivamente. Em Galápagos, os equatorianos, durante mais de um século, mataram as tartarugas para fazer óleo e iluminar as cidades (como Guayaquil e Quito). Das diversas espécies de tartarugas, uma tem uma dramática extinção, pois só havia sobrado o “solitário George” (último exemplar daespécie), que morreu no mês passado. Além disto, houve a introdução de diversas espécies invasores de plantas e bichos que destruíram grande parte da riqueza natural do arquipélago. Em dimensão bem maior, os Estados Unidos da América (EUA) são campeões mundiais de destruição ambiental e estão afetando, não só o seu território, mas o clima do Planeta.

No Brasil, 93% da Mata Atlântica foi destruída a ferro e fogo. Outros biomas, como o Cerrado, os Pampas e a Amazônia estão indo pelo mesmo triste caminho. Os rios das grandes cidades foram destruídos ou simplesmente viraram canais de esgoto, como os rios Tietê, Carioca e Arrudas, respectivamente, em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Os exemplos do impacto negativo da população humana são muitos e dramáticos. A destruição do solo, das águas e do ar se espalha com grande velocidade, destruindo a riqueza biológica e as espécies nativas e endêmicas.

Por isto, alguns pensadores estão reavaliando o papel das migrações e até considerando o ser humano uma espécie invasora. As espécies invasoras são aquelas oriundas de outra região ou bioma, e que se adaptam e proliferam muito bem no novo ambiente, competindo com as espécies nativas por nutrientes, luz solar e espaço físico. Em geral, elas modificam o ecossistema original e reduzem a biodiversidade. Por falta de predadores naturais, as espécies invasores multiplicam sua presença como uma praga.

Por exemplo, o filósofo britânico John Gray, em entrevista à revista Época (29/05/2006), apresenta um prognóstico pessimista sobre a humanidade: “A espécie humana expandiu-se a tal ponto que ameaça a existência dos outros seres. Tornou-se uma praga que destrói e ameaça o equilíbrio do planeta. E a Terra reagiu. O processo de eliminação da humanidade já está em curso e, a meu ver, é inevitável. Vai se dar pela combinação do agravamento do efeito estufa com desastres climáticos e a escassez de recursos. A boa notícia é que, livre do homem, o planeta poderá se recuperar e seguir seu curso”.

O homo sapiens utilizou o cérebro para construir uma avançada civilização planetária, mas tem utilizado a sua inteligência de maneira instrumental e egoísta. O impacto humano já ultrapassou a capacidade de regeneração de todos os continentes. Não há mais fronteiras para novas migrações. Será que o homo sapiens que se espalhou pelo Planeta (chegando por último ao continente americano) pode ser classificado como uma espécie invasora? Ou haverá uma forma evitar seus efeitos daninhos?

Referência: A jornada da humanidade

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

17 de julho de 2012

Quase 140 milhões de brasileiros vão às urnas nas eleições de outubro

TSE registrou 464.701 candidaturas para os três cargos até esta segunda - Foto: Nelson Jr./ASICS/TSE

Da Redação 
No dia 7 de outubro, 138.492.811 eleitores em 5.569 zonas eleitorais irão às urnas para escolher prefeitos, seus respectivos vices e vereadores, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Até a segunda-feira (16), o sistema do órgão registrou 464.701 candidaturas para os três cargos.

De acordo com a legislação eleitoral, nas cidades com mais de 200 mil eleitores e onde a disputa pela prefeitura tenha mais de dois candidatos há a possibilidade de segundo turno. Nesse caso, a nova votação está marcada para o dia 28 de outubro com os dois candidatos mais votados no primeiro turno.

Detentor do maior eleitorado do país, com 31.229 .000 de pessoas aptas a votar, São Paulo também é o estado com maior número de candidatos inscritos para concorrer nas próximas eleições. Segundo o TSE, 79.467 políticos fizeram o pedido de candidatura, sendo 2.012 para prefeito, 2.016 para vice-prefeito e 75.439 para vereador. Apesar de o prazo para formalizar as candidaturas já ter se encerado, o tribunal ainda está totalizando os pedidos.

Pelo calendário eleitoral, até o dia 4 de agosto poderá ser feito o pedido de impugnação de candidaturas. Isso, contudo, não impede que um candidato participe do pleito. Ele poderá concorrer sub judice até que a Justiça decida o caso. No entanto, se ao final do processo a impugnação for confirmada e o candidato tiver sido eleito ele terá que deixar o cargo.

Além disso, conforme o calendário eleitoral, no dia 6 de agosto os partidos políticos, as coligações e os candidatos são obrigados a divulgar na internet relatório discriminado dos recursos recebidos ou estimativa do financiamento da campanha eleitoral e os respectivos gastos. A Justiça Eleitoral irá disponibilizar um portal para divulgação dessas informações.

No dia 21 de agosto começará a propaganda eleitoral gratuita na rádio e televisão. A propaganda se estende até o dia 4 de outubro – três dias das eleições. Os partidos e candidatos poderão fazer campanha paga até o dia 5 de outubro.

Segundo o calendário eleitoral, a conclusão de processo de apuração deve ocorrer até o dia 12 de outubro. No entanto, desde a implementação do sistema informatizado de votação, com o uso da urna eletrônica, é possível conhecer o resultado da eleição na noite do dia da votação. Nos municípios onde houver a necessidade de segundo turno, a partir do dia 13 de outubro começa a propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão, que se estenderá até o dia 26.

Com informações da Agência Brasil 

11 de julho de 2012

Estatizar ou privatizar

Por Wladimir Pomar- 10/07/12

Parece ainda predominar entre os funcionários de muitas instituições governamentais, assim como numa parcela significativa do povo, a ideia de que, no início dos anos 1990, teria sido visível o esgotamento do chamado modelo estatal. Tal esgotamento teria sido a causa da política de privatização das empresas estatais, trazendo novo afluxo de capitais para o país e a interação dessas novas empresas privadas com grupos industriais e financeiros, dando dinâmica ao mercado e aumentando a eficiência das empresas.

Essas parcelas de funcionários e da população não conseguem explicar, por exemplo, por que a privatização não conseguiu fazer com que as siderúrgicas não avançassem na produção de perfis de alta tecnologia e novos tipos de aço demandados pela construção de ferrovias de alta densidade e velocidade de trafego, e pela exploração submarina profunda. Nem por que, num período em que as demandas internacionais de aços cresceram de forma explosiva, a participação brasileira no mercado mundial caiu, embora a maior parte de seu aço fosse para a exportação, com taxas subsidiadas. Ou por que, das 43 empresas siderúrgicas existentes em 1990, tenham sobrado 27 usinas, controladas por apenas 8 grupos privados.

Na verdade, as privatizações atenderam às pressões das corporações transnacionais para incorporar fortes concorrentes nacionais a seus ativos, ou para eliminá-los. O caso do setor químico é emblemático. A estatal Companhia Nacional de Álcalis simplesmente foi fechada, encerrando a fabricação do carbonato neutro de sódio, que passou a ser importado. As empresas de fibras sintéticas foram totalmente desarticuladas e re-localizadas em outros países, deixando de produzir no Brasil. Embora a Petrobras esteja presente na petroquímica, através da Braskem, e várias empresas nacionais fabriquem os princípios ativos dos remédios genéricos, cujas patentes se tornaram públicas, o setor químico é oligopolizado por um pequeno grupo de multinacionais como a Fosfertil (que era estatal), Bunge, Unigel, Dow e Basf. Esse oligopólio impõe ao Brasil a importação de mais de 20 bilhões de dólares anuais em produtos químicos necessários à indústria e à agricultura.

Uma avaliação mais precisa do processo de privatização poderia trazer à tona os vários aspectos da desindustrialização, desnacionalização e imposição do atraso tecnológico ao Brasil dos anos 1990, também responsável pelo desemprego e o crescimento da miséria. Nessa mesma década, Índia, China, Coréia e outros países asiáticos realizaram um salto industrial e agrícola, adensando cadeias produtivas, gerando milhões de novos postos de trabalho e, uns mais, outros menos, retirando milhões de pessoas da situação da miséria. Fizeram isso através de uma combinação complexa entre empresas estatais e empresas privadas, e entre empresas nacionais e corporações estrangeiras.

Os governos brasileiros do período, porém, foram convencidos de que o modelo estatal estava esgotado e precisava ser liquidado. Com isso, quase liquidaram o país, como ficou evidente na crise de 1998. Salvaram-se a Petrobras, as principais estatais elétricas e os principais bancos públicos. Essas estatais estão desempenhando um papel chave para o Brasil retomar o desenvolvimento econômico e social em termos sustentáveis. Mas elas são insuficientes para permitir ao país um ritmo de desenvolvimento mais firme. Não é por acaso, portanto, que essa questão retornou à pauta do debate sobre o desenvolvimento econômico e social.

A novidade nesse debate é o surgimento de correntes de opinião que acusam a esquerda no governo de estar despreparada para o debate social e a respeito das mudanças socioambientais, por haver abandonado a proposta de estatização dos grandes monopólios. Sugerem que somente essa estatização permitiria ao Estado ter em suas mãos a capacidade de investimento público e de produzir a maior parte do excedente social, que deixaria de se destinar ao lucro e passaria a responder a reais finalidades sociais. E reclamam a inexistência de forças com expressão social e política que preconizem, como meio de enfrentar a crise atual, a nacionalização ou estatização dos meios de produção e troca.

Em outras palavras, diante da incapacidade capitalista em resolver os problemas socioambientais, o que essas correntes sugerem é retomar o caminho de estatização completa dos meios de produção e de troca, independentemente do nível de desenvolvimento desses meios, e de capacitação e organização da força de trabalho. Esquecem que essa tentativa de estatização completa dos meios de produção e da força de trabalho se mostrou historicamente trágica em países de médio ou baixo desenvolvimento capitalista. É verdade que países com alto desenvolvimento de suas forças produtivas, como Estados Unidos, Alemanha, Japão, França, Suécia e alguns outros, podem ingressar com sucesso num processo de estatização dos grandes monopólios. No entanto, mesmo aí talvez a estatização ainda não possa ser total, tendo que conviver com vários aspectos do mercado por algum tempo.

No Brasil, o que se coloca hoje não é nem mesmo a estatização ou nacionalização dos monopólios, entre outros motivos porque não há força social e política (aqui incluída a força militar) para impor tal processo.

O que se pode e se deve buscar é a recriação, ou criação, de empresas estatais nas áreas estratégicas, em especial naquelas fundamentais para o desenvolvimento econômico e social do país, como é o caso da química, inorgânica e orgânica, siderurgia, metalurgia, máquinas-ferramentas, eletrônica, aeroespacial e nanotecnologia. Por outro lado, é preciso intensificar a concorrência, aumentando o número de empresas nos setores hoje oligopolizados, rompendo os oligopólios com as ferramentas do próprio mercado, e ampliando a democratização do capital, como é o caso dos setores automobilístico, farmacêutico, construção pesada e agricultura de alimentos.

Nesse sentido, o problema da esquerda no governo talvez não consista em estar despreparada diante da necessidade de estatizar os grandes monopólios. Talvez seu principal problema consista em não estar preparada para a imperiosidade de articular os instrumentos estatais com os instrumentos privados, de alta e baixa tecnologia. Uma articulação que deve comportar uma crescente disputa pelo aumento do emprego, ou do crescimento quantitativo e qualitativo da classe assalariada, com a redistribuição de renda, proteção ambiental, acesso à educação, à saúde e à cultura.

Nessa disputa, não basta que os instrumentos estatais se mostrem transparentemente superiores aos instrumentos privados em termos econômicos, sociais e ambientais. Será necessário levar em conta que ela não será resolvida apenas no terreno econômico, mas fundamentalmente no terreno da luta social e política de classes, tendo como central a questão do poder

30 de junho de 2012

“Justiça social e sustentabilidade ambiental não combinam com capitalismo”

http://pagina13.org.br

Dezenas de pessoas lotaram a Tenda Milton Santos, na Cúpula dos Povos, na quinta-feira (21/6),  para debater  “A crise do Capitalismo e a construção de um modelo de desenvolvimento justo e sustentável”,  com Márcio Porchmann, professor de economia da Unicamp; João Pedro Stédile, da direção do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST); Márcio Macedo, deputado federal pelo PT-SE e Rui Falcão, presidente nacional do PT.
Foi unanimidade entre os debatedores que a crise econômica, financeira, social e ambiental pela qual atravessa o capitalismo é um momento propício para o surgimento de modelos alternativos capazes de superá-lo.
Márcio Porchmann disse que a crise que o mundo atravessa atualmente é mais profunda que a de 1929, pois o capitalismo está encontrando limites para o seu crescimento. “Estamos numa crise do sistema de produção e de geração de riqueza material e imaterial do capitalismo, pois ele não está conseguindo mais gerar valor”. “No entanto, o capitalismo tem grande capacidade para se dinamizar nesses momentos de crise”, afirmou.
No que diz respeito ao contexto internacional, Porchmann apresentou o deslocamento do centro dinâmico do mundo – dos EUA e Europa para a Ásia – com destaque para a China, maior centro manufatureiro mundial . “Resta-nos compreender se EUA e Europa irão aceitar esse deslocamento”,  indagou-se o professor, ao afirmar que EUA e Europa estão regredindo social e economicamente, tornando ainda mais difícil a manutenção do atual padrão de produção e consumo que possuem.
Nesse contexto Porchmann enxerga uma janela de oportunidades para o Brasil, que pode assumir papel de relevância no cenário internacional. “A crise é um momento oportuno para se recolocar no mundo, e fecundo para o aparecimento de novas possibilidades de superação do capitalismo”, argumentou.
Para superar o capitalismo, Porchmann disse que é fundamental compreender os desafios que estão postos para o socialismo do século XXI. “Teremos que enfrentar a fragmentação das lutas do presente, as quais se apresentam como empecilho para a construção de um projeto comum com elementos fundamentais. Outro desafio é a necessidade da esquerda compreender as mudanças que ocorreram no mundo do trabalho, devido a terceirização da economia e o aprofundamento do trabalho imaterial”, alertou.
Para Porchmann temos a oportunidade de construir uma nova agenda de superação do capitalismo, com novo padrão civilizatório. “A humanidade poderá experimentar o que é viver 100 anos, estudar a vida toda – num modelo em que o ensino superior seja o piso e não o teto, com jornada de trabalho de 12 horas por semana. Do contrário, o marco de saída da crise do capitalismo é o marco do aprofundamento da exploração do homem e da natureza”, afirmou.
O deputado federal Márcio Macedo (PT-SE), presidente da Comissão Mista de Mudanças Climáticas do Congresso Nacional disse que as questões ambientais em discussão na Rio+20 estão intimamente ligadas ao cenário de crise do capitalismo.
Para o deputado a relação de exploração homem natureza se esgotou e é preciso caminhar para uma nova economia, menos carbonizada e com novos índices de eficiência na indústria e na agricultura. Ele defende a utilização dos recursos do Pré-Sal para uma transição para energia limpa e a superação da dependência dos combustíveis fósseis. “Temos grande potencial e riqueza natural para novas fontes de energia,

tais como a solar, eólica”, citou.
Para Macedo o conceito de desenvolvimento sustentável é o novo paradigma da humanidade e precisa ser aprofundado nesse momento de crise. “A Rio+20 traz um acúmulo de 40 anos sobre o tema e pode trazer uma nova perspectiva para o século XXI, ao pensar novas possibilidades para o mundo nesse momento de crise”, afirmou o deputado, destacando o papel central do Brasil nesse processo, por ter aprofundado a democracia, ter distribuído renda e combatido a miséria.
Segundo ele, com a Rio+20, o debate ambiental deixará de ser ambiental e passará a ser econômico, devido ao conceito de economia verde que está sendo discutido na Conferência. “Esse é um conceito que está em disputa. O Brasil participa desse debate introduzindo o conceito de economia verde inclusiva, com destaque para a ampliação de direitos, distribuição de renda e erradicação da pobreza, em oposição ao modelo de economia verde meramente mercadológico e liberal dos países desenvolvidos”, explicou.
Macedo disse que as metas discutidas na Rio+20 são pouco ousadas e que não há consenso sobre quem irá pagar a conta da transição para um modelo de desenvolvimento sustentável global, que possibilite aos países mais pobres a adoção de tecnologias e práticas mais sustentáveis a partir da economia verde. “Temos que defender um modelo inclusivo, soberano e sustentável, em oposição à apropriação dos bens da natureza pelos países ricos”, completou.
“O grande legado da Rio+20 é o debate sistêmico que está sendo feito, com imensa participação da sociedade civil e do setor produtivo, fundamental para que o tema seja popularizado e ganhe força na sociedade os conceitos e princípios de uma nova geração, com novos paradigmas e padrões de desenvolvimento”, avaliou o deputado.
O presidente nacional do PT Rui Falcão destacou a participação do partido na Rio+20 e da iniciativa do governo brasileiro, ainda em 2007 (governo Lula), para a realização da Conferência, que reúne dezenas de chefes de estado de todo o mundo, com intuito de  discutir um futuro comum.
Falcão disse que é urgente pensar no destino do planeta, no desenvolvimento do presente, sem prejudicar as gerações futuras, assim como preconizado na Eco 92. Segundo ele muitas das frustrações da Eco 92 se devem ao apogeu do neoliberalismo naquele período. Falcão também compartilha da idéia de que há limites para o êxito da Rio+20, devido ao momento de crise dos EUA e Europa, de medidas de austeridade adotadas por países da União Européia.
“Esse é um momento difícil para fóruns multilaterais como esse realizado pela ONU, pois a crise não assegura que as resoluções da Rio+20 serão cumpridas”, analisou Rui Falcão ao destacar a incapacidade da governança global em lidar com temas dessa magnitude.
Falcão disse que há muitas reservas por parte de muitos países, de partidos de esquerda e dos movimentos sociais em relação à economia verde, e da possibilidade dela se resumir apenas a um marketing verde.
“Desenvolvimento sustentável e socialmente justo não rima com capitalismo e neoliberalismo”, afirmou  o presidente nacional do PT,  ao defender que os partidos de esquerda e os movimentos sociais pressionem os governos para um novo modelo de desenvolvimento justo e equilibrado, capaz de buscar a igualdade entre as pessoas e as nações, aprofundar a democracia,  dividir a riqueza e implantar novos padrões de produção e consumo.
João Pedro Stédile trouxe a visão dos movimentos sociais sobre o tema. “Nós do MST e da Via Campesina temos feito muitas críticas a forma como o governo vem conduzindo o debate. Somos completamente céticos à Rio+20, pela forma como conduziram a preparação do documento, em reuniões intermináveis, sem a participação da sociedade civil”.
Segundo ele o ceticismo parte da idéia de que o controle do mundo etstá nas mãos das grandes corporações e dos bancos, o que coloca em contradição o poder real do econômico sobre o poder político. “ A ONU não manda em nada”, afirmou.
Sobre a crise e seus impactos na realidade brasileira, Stédile disse que a partir de 2008, o capital financeiro entrou feito “avalanche” no Brasil, transformando o capital fictício/especulativo em patrimônio.
“O que estamos vendo é o capital financeiro internacional se apropriar de terras, de hidrelétricas, do Pré-Sal e das florestas. Nossos recursos naturais estão sendo desnacionalizados e privatizados, para posteriormente serem levados ao mercado supervalorizados, propiciando uma renda extraordinária a partir dessas riquezaz”, denunciou.
“Sem terra, ar, água e energia, ao final dessa crise sairemos muito mais pobres do que entramos”, sentenciou Stédile, ao exemplificar que setores como o sucroalcooleiro, que historicamente foi controlado pela elite brasileira, já está majoritariamente nas mãos de empresas transnacionais como a Shell e a Bunge.
Apesar de reconhecer os inúmeros avanços dos governos Lula e Dilma, Stédile criticou que a maioria absoluta dos investimentos do governo federal sejam direcionados ao capitalismo internacional e a setores da economia que não são sustentáveis, como o petróleo, a extração mineral e a celulose.
No debate com a plenária foram discutidos a necessidade de aprofundar a participação da sociedade em questões como a disponibilidade da água, a instalação de grandes empresas e a construção de hidrelétricas. Foi reforçado a necessidade de recolocar a possibilidade do socialismo nos dias de hoje, dada a conjuntura favorável do momento de crise e da urgência da mudança do atual modelo apresentada pelos palestrantes, bem como o papel central exercido pela juventude nesse processo de mudanças.

Wanderson Mansur – correspondente do Página 13 na Cúpula dos Povos/Rio+20

21 de junho de 2012

PARA UMA TEORIA DE GOVERNO – DE ESQUERDA
Por: Lúcio da Costa (Advogado) e
Luiz Marques (Professor de Ciência Política da UFRGS)


Com a proximidade das eleições municipais assistimos à febril busca por alianças políticas com motivos pragmáticos, para expandir a receptividade do eleitorado e o tempo de propaganda na TV. Em Porto Alegre, a gincana do PDT e do PC do B pelo apoio do PP tornou-se o principal assunto dos noticiários. A estranheza midiática em face das investidas publicizadas mira a centro-esquerda, como de praxe.

Quanto ao PT, se este não logra ampliar as siglas existentes em torno de suas proposições, atribui-se a dificuldade a um atávico “radicalismo”, sem aludir ao fato de que, sozinho, representa 60% das identidades partidárias, aferidas de um percentual de 48% dos que declaram uma preferência política nacionalmente, de acordo com o instituto Vox Populi (Marcos Coimbra, “A força da imagem do PT”, Carta Capital, 30/05/2012). A enfadonha lenga-lenga sobre o isolamento petista repete-se em São Paulo “como língua de formiga”. Não existe, porém, é como se existisse.

As composições sem nitidez ideológica caracterizam a política desde a “Carta ao Povo Brasileiro”, assinada por Luis Inácio Lula da Silva (22/06/2002), no início da caminhada vitoriosa do ex-metalúrgico à Presidência em que fazia a apologia de uma “vasta coalizão, em muitos aspectos suprapartidária” visando “abrir novos horizontes para o País”. Diante do que, cabe perguntar se permanece viável uma teoria de governo – de esquerda, tendo por assoalho o aprofundamento da soberania popular. O presente texto tenta responder à indagação com uma esperança militante no futuro.

A razão das alianças

Com o processo de redemocratização do País e a consequente revitalização do papel das instituições parlamentares (Câmara de Vereadores, Assembléias Legislativas e Congresso Nacional), a questão da governabilidade ganhou centralidade na agenda política à medida que o ato de governar do Executivo passou a depender de uma negociação com o Parlamento, em cada esfera federativa.

A situação, comum aos regimes democráticos, seja sob o parlamentarismo, seja sob o presidencialismo, no Brasil é agravada porque as eleições majoritárias são dissociadas das eleições proporcionais, estimulando um quadro esdrúxulo onde o candidato a um posto executivo pode receber 70% dos votos e, apesar disso, contar com uma base de sustentação em minoria nas casas parlamentares. O problema resulta das distorções do sistema de representação política no Brasil, herdado da ditadura militar e referendado pela Constituição de 1988 que não fez a junção.

Não é o único óbice ao sistema de representação política em vigor.

Este limita em 8 o mínimo e 70 o número máximo de representantes na Câmara Federal por unidade da Federação, e em 3 o número de representantes o Senado. Com o que, rompe o princípio republicano baseado em “cada cabeça, um voto” para compor o coral legiferante da nação brasileira, fazendo com que o voto de um cidadão do Acre seja equivalente ao voto de 15 cidadãos gaúchos e 35 paulistas, em flagrante violação do primeiro mandamento da República: assegurar a igualdade formal de todos perante o Estado.

Assim como necessitamos de uma Reforma Política e Eleitoral que institua o financiamento público de campanha, a fidelidade partidária e o voto em lista para fortalecer os partidos políticos e seus respectivos programas na consciência do eleitorado, necessitamos também de uma Reforma do Sistema de Representação Política. Do jeito que está, a nação condena-se a um estágio institucional nebuloso em que já não se reconhece como uma Monarquia, mas ainda não ousa chamar-se de República. Chafurdamos em um hibridismo político.

Aos que contra-argumentam que os mecanismos casuísticos inscritos na Carta Magna bloqueia o afã hegemonista de São Paulo na definição dos rumos da política nacional é preciso lembrar que tal poderia ser levado a cabo pelo Senado, o local apropriado para o debate sobre temas federativos. Bastaria que os senadores dos estados menores se unissem para que SP não pudesse impor de maneira unilateral a sua vontade. No que concerne à Câmara dos Deputados, esta deveria contemplar a representação política proporcional do conjunto da população – sem tergiversações.

Os Estados Unidos contam com um modelo bicameral em que a Câmara Baixa é eleita em moldes tendencialmente proporcionais, enquanto a Câmara Alta é eleita por uma representação por área territorial. Há que ressaltar a diferença, embora as engrenagens de escolha dos representantes estadunidenses sejam talhadas pela lógica mercantil nas competições eleitorais. Para se ter ideia, a propaganda televisiva (que envolve recursos vultosos) fica a cargo da tesouraria dos candidatos, o que condiciona a representação possível pela exclusão das agremiações avessas ao status quo. Nesse quesito, possuímos dispositivos mais equânimes. Contudo, a equação final conduz por igual a uma intransponível maioria conservadora, reiterada pela ação interveniente do poder econômico através do financiamento privado de campanha.

Prevalece o vetor da democracia de massas, a saber, a desideologização da política com o objetivo de sinalizar uma assepsia de classe para justificar a opção por políticas de subordinação ao capital, diminuir a resistência das elites econômicas e magnificar, com a ajuda do marketing político, a receptividade das propostas em todas as camadas sociais. Muitos transformam a necessidade produzida pelas “regras do jogo” em uma suposta virtude, em um atestado de abertura à pluralidade para diferenciar-se dos que são considerados sectários, radicais. Interpretam a conjuntura na defensiva, substituindo o “partido-ônibus” que transportava as oposições durante o bipartidarismo pela “coligação-ônibus” no intuito de assegurar a governabilidade.

Nessa moldura, as coalizões partidárias se realizam, não como contingência, mas como um imperativo filosófico para desembocar em uma indigesta, indecorosa e incompreensível sopa de letrinhas.

 Não obstante, incontornável para evitar golpes do tipo daquele que, em Gravataí, foi armado com oportunismo e cinismo pela direita.
Urge que os movimentos sociais, os sindicatos e os partidos políticos do campo democrático e popular absorvam essa discussão em sua plataforma de reivindicações, erguendo a bandeira de uma Reforma do Sistema de Representação, ao lado da bandeira por uma Reforma Política e Eleitoral, para que a governabilidade não dependa do toma-lá-dá-cá, cujo famigerado ícone encontra-se nas emendas parlamentares individuais, sob a batuta do fisiologismo e do clientelismo. A “crise da ética na política” é fruto do bumerangue de favores materiais e conquistas simbólicas que compensam com o prestígio político a ausência de fidelidade partidária.

Se a luta para reverter tamanha subalternidade da política não ganhar as ruas, não há chance de vitória. Entre nós, a democracia política só poderá ser qualificada pela, democracia participativa, com a participação direta da cidadania organizada, o que tem sido com razão enfatizado por Maria Victoria Benevides (Cidadania ativa: referendo, plebiscito, iniciativa popular, 1991).

As figuras do governo

O governo central é uma parte do poder e está submetido a normas constitucionais anti-republicanas, que rebaixam a grande política aos desvãos da pequena política e dos interesses privados no aparato administrativo. De resto, abrindo caminho às ações ilícitas, de corrupção, que assaltam o Erário. Vale acrescentar, agora, que o governo move-se no âmbito de uma concepção liberal de Estado, construída sobre o equilíbrio entre os três poderes (Executivo, Legislativo, Judiciário) preconizados por Montesquieu a partir de observações sobre o Reino Unido após a Revolução Gloriosa, no século 17. Instituições tipo os Tribunais de Contas, os Ministérios Públicos e outros órgãos de controladoria vieram na esteira para robustecer os ideais republicanos. Em priscas eras, justapostos aos anseios burgueses de representação nas Cortes monárquicas.

A esmagadora maioria dos países organiza-se tendo por inspiração a “teoria da separação de poderes”. A relação dos governados com os governantes foi regulada pelo sufrágio universal com a inclusão dos não-proprietários, das mulheres, dos jovens e dos analfabetos.

Diga-se de passagem, para gáudio do autor de As veias abertas da América Latina, Eduardo Galeano, o Uruguai foi o primeiro país a estender o voto às mulheres. Todos os direitos políticos (recorde-se a luta pela liberdade de expressão e organização no cenário mundial) foram produto de lutas, suor e lágrimas, nunca benesses dos dominadores. Para institucionalizar essas batalhas havia três poderes originalmente. Outros, no entanto, se desenvolveram nas sociedades modernas.

O enquadramento em uma realidade poliárquica – em que a soberania abarca um amplo rol de centros de poder na coletividade – confunde-se com o que denominamos democracia na contemporaneidade. Aliás, “democracia delegativa”, como apontou o politólogo argentino Guillermo O’Donnell, por converter depois das eleições o presidente e sua equipe na ômega da política. No mais, com total indiferença aos aportes do Congresso, dos partidos políticos e das organizações civis, fazendo os eleitores pós-pleito retornarem à condição de espectadores passivos do desenrolar político.

O ponto é: a democracia na acepção liberal clássica esgota as possibilidades de exercício da soberania popular? A participação da cidadania deve contentar-se com o voto em uma urna de quando em quando, sem avocar um poder decisório que extrapole a teoria da separação de poderes convencional no interregno dos períodos eleitorais? O teto da democracia exclui as iniciativas populares? O Estado de direito (estático, por definição) deve sufocar o Estado democrático (em movimento, por natureza)? A luta pela justiça deve render-se à ordem legal discricionária, em lugar de reinventar a distribuição de direitos políticos, sociais e econômicos na sociedade?

A resposta para todas essas indagações é “Não”. A soberania popular é o “trem da história”, no dizer de Alex de Tocqueville, que objetiva a emancipação social em face das estruturas de dominação.

A Comuna de Paris (1871), de curta duração mas de longo aprendizado para a narrativa emancipacionista, trouxe a prova de que a soberania popular não pode ser restringida a um ideário representativista. A democracia não suporta desacelerações em sua marcha. Ou anda ou pára.

É verdade que governos totalitários (Alemanha hitlerista, Itália mussolinista) e autoritários (França gaullista) lançaram mão de referendos e plebiscitos para recrudescer um poder monocrático e repressivo, na Europa. A democracia participativa, porém, não pode ser recriminada pelas manipulações que caracterizaram seu uso e excessivo abuso no hemisfério Norte. No hemisfério Sul, a democracia calcada na cidadania ativa que persegue os chamados direitos de primeira geração (políticos e civis) mas também os direitos de segunda geração (sociais), não tem feito a promoção demagógica e personalista do establishment. Os rótulos de “populistas” lançados aos expoentes da onda democratizante na América Latina não fazem jus aos fatos.

No Continente latino-americano socializa-se a distribuição do poder com considerável independência em face da influência dos agentes do dinheiro (com destaque para a Venezuela e a Bolívia). Os sujeitos sociais que se descobrem partícipes das deliberações que afetam as múltiplas dimensões da vida coletiva estão menos afeitos às determinações dos poderosos. Possuem mais autonomia para formular juízos.

Nascido no Brasil, a esperança suscitada pela experiência do Orçamento Participativo justifica-se. O OP traduz uma estratégia de consecução do poder em sociedades tidas por democráticas, em um ambiente politico não-revolucionário. O OP transfere a “guerra de posição” gramsciana para o interior do próprio aparelho de Estado, ao discutir a distribuição e aplicação dos recursos públicos com critérios igualitaristas, combatendo as desigualdades sociais e urbanas que formam cidadãos de primeira e segunda classe no sistema-mundo. Sob esse aspecto, constitui-se em uma pedagogia de politização e conscientização, logo, em uma formidável estratégia de construção de uma contra-hegemonia socialista.

A esquerda tem aprofundado o conceito de soberania popular, gerando um novo centro de poder por intermédio da participação presencial da cidadania nos debates de interesse público. Conselhos, colegiados, mesas redondas, conferências compõem com o OP uma forma inovadora de gestão por assimilar na esfera pública contingentes da população que antes não tinham vez nem voz. Trata-se de uma socialização da política que, para os ideólogos liberais, seria predicado exclusivo dos representantes eleitos no reduto do Parlamento municipal, estadual e federal.

Ainda reverbera a afirmação do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, por ocasião da greve dos petroleiros na década de 90, de que aquele movimento era “político”. Afora defender uma pauta trabalhista opunha-se à privatização da Petrobrás, pretendida pelo tucanato. Quer dizer, metia o bedelho em um tema da ordem do político, atinente ao Congresso e não às ruas. Dito o que, ato contínuo, FHC reprimiu com tanques das Forças Armadas o movimento paredista.

A figura do governo implementada pelas correntes de esquerda, em distintos níveis administrativos, aponta para a superação da teoria dos três poderes pela inclusão da participação direta mas também da participação digital, aproveitando as novas tecnologias de comunicação. Com a extensão da soberania popular, organizada pelo princípio do igualitarismo, a concepção liberal de Estado dá lugar a uma concepção socialista de Estado. As tensões decorrentes com a dinâmica do capitalismo são evidentes no dia a dia da administração, em cada área de atuação governamental.

O que confere caráter socialista ao Estado é a mobilização social e a repartição do poder de decisão por parte dos titulares da representação na gestão pública. Noutras palavras, para articular uma teoria e uma prática de governo – de esquerda – há que ter coragem política para transcender as herdadas distorções da representação política e os perversos limites da institucionalidade, de modo a sedimentar no povo uma nova subjetividade: emancipacionista, rebelde, militante.

O Rio Grande do Sul integra essa marcha libertadora, dá testemunho Carlos Pestana (“E agora?”, Zero Hora, 14/06/2012), Chefe da Casa Civil do governo Tarso Genro. No RS, “os poderes Executivo e Legislativo, aliados aos setores organizados da sociedade civil, uniram suas forças para conceber uma nova visão de Estado (grifo nosso), pautada pela promoção do desenvolvimento econômico e social com maior distribuição de renda e pela maior participação social na administração pública”.

Conclusão: é hora de avançar

Alianças amplas não impedem a configuração de um governo de esquerda. A ausência de instrumentos de participação e deliberação ao alcance da sociedade civil, sim. Como escreve Marta Harnecker (Cinco reflexões sobre o socialismo do século XXI, 2012), retomando a crítica de Che Guevara ao paradigma stalinista: “Não pode haver socialismo sem planejamento participativo”. A frase resume uma aguda crítica ao planejamento burocrático / tecnocrático em uma sociedade virtuosa, onde os interesses gerais se sobreponham aos interesses particulares. A premissa é válida para todo governo que tenha o firme propósito, no exercício do mandato, de enfrentar as desigualdades provocadas pela gramática da acumulação capitalista. A ampliação das prerrogativas da soberania popular permite que esse combate se realize com uma alta densidade democrática.

O poder instituinte popular pode criar novos regramentos nas relações sociais e econômicas, sendo que ao manifestar-se reatualiza a democracia frente às questões de inegável interesse coletivo, mesmo fora do calendário eleitoral e mesmo que implique alterações no plano jurídico-legal. A mobilização que legitima e sustenta o poder instituinte popular na sociedade, em simultâneo, politiza a economia ao confrontar suas diretrizes com as demandas civilizatórias das classes trabalhadoras.

Aqueles que recusam essa possibilidade para evitar a “insegurança jurídica” estão, na verdade, cerceando a liberdade de problematização e crítica aos entraves para o avanço do trem da história. Se tivessem o cuidado de ler o artigo 2° da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, (citado por Vladimir Safatle, em A esquerda que não teme dizer seu nome, 2012), documento em que os jacobinos registram metaforicamente a certidão de nascimento da modernidade, veriam que a “resistência à opressão” é um direito inalienável dos indivíduos e dos povos.

Ao invés de temerem a soberania popular, por extensão a política, deveriam temer a morte da liberdade. – Avante!

Junho/2012

15 de junho de 2012

Na era do automóvel,

artigo de Aroldo Cangussu



trânsito

[EcoDebate]
 Na década de 60, para irmos de Janaúba para Montes Claros, tínhamos, à nossa disposição, dois trens diários, que pegávamos e íamos tranquilamente tomando guaraná quente e comendo farofa de frango. Para Belo Horizonte, era só embarcar no leito e ir dormindo sossegadamente.

A partir do momento que o governo resolveu mudar a política desenvolvimentista e aplicar tudo na indústria automobilística tudo isto mudou. Hoje a pressa fala mais alto e o automóvel iniciou seu reinado. As ferrovias foram abandonadas (servindo apenas para transporte de cargas, com raras exceções) e se investiu forte no transporte rodoviário.

Só que o crescimento da infraestrutura para esse modelo não acompanhou a necessidade do deslocamento. As ruas estão entupidas de carros, ônibus, caminhões e motocicletas não sobrando espaço para mais nada. Em São Paulo, muitos levam quatro horas para ir e voltar do trabalho. A velocidade média do trânsito paulistano é pouco mais que vinte quilômetros por hora. Lá existem mais de sete milhões de veículos, a maioria com apenas uma pessoa sendo transportada. Andar de ônibus lá, e em todas as capitais e cidades grandes do Brasil, é um tormento e o metrô, ainda a melhor solução, é insuficiente.

Até em Janaúba, o trânsito está se tornando um problema. Existe confusão, pois o número de motos está exponencialmente aumentando (uma pena que as bicicletas estão sendo deixadas de lado) e a disputa por espaço com os carros já é acirrada. Eis aí um importante tema para discussões nessa próxima campanha eleitoral.

O próximo prefeito deverá ser capaz, inquestionavelmente, de enfrentar esse problema e apontar soluções. Da mesma maneira, os candidatos a vereador terão que se preparar para propor medidas legais municipais que possam contornar esta questão.

O poder do automóvel é tão avassalador que, nas disputas eleitorais, pelo menos em Janaúba, a quantidade de asfalto executado na cidade é predominante na opinião do eleitor. Quem fizer mais asfalto ganha a eleição. As questões ambientais ficam em segundo plano.

Limpeza pública, recuperação de mananciais, plantio de árvores, planejamento urbano, construção de praças e jardins, abastecimento de água e coleta e tratamento de esgoto são quase irrelevantes para a massa eleitoral. Pelo menos é o que pensam os marqueteiros das campanhas políticas.

Andar de carro, principalmente se for camionete cabine dupla ainda é (que atraso!) sinônimo de status, assim como ter três ou quatro vagas na garagem. As pessoas quase não andam a pé, até para comprar o pão na padaria da esquina toma-se o carro, muitas vezes um veículo de quase três toneladas para transportar uma pessoa de setenta quilos em um trecho de 500 metros.

Este modelo, fatalmente, vai ter que ser mudado.

* Aroldo Cangussu é engenheiro e ex-secretário de meio ambiente de Janaúba e diretor da ARC EMPREENDIMENTOS AMBIENTAIS LTDA.