18 de dezembro de 2011

E Raul segue vivo na noite nebulosa

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Por Renato Dalto (*)

Aconteceu assim: um candidato fazia um movimento e talvez pensasse em outro, o de compor uma aliança política no lado em que a vitória seria mais fácil. Há muito tempo a idéia de mudar o mundo perdeu para o pragmatismo do assalto ao palácio, mas há coisas que não morrem bem assim. Porque simplesmente estava no meio do palco um sobrevivente de outros tempos, onde era preciso silenciar, resistir aos generais e seguir cultivando sonhos escondidos na gaveta. Mudar o mundo estava na ordem do dia, e ideais não são moeda de troca por vinhos, festas e palácios. Ideais são aquela coisa fora de moda que não se compra, não se vende, não se negocia. Mesmo que tenham que ficar escondidos na gaveta.

Os tempos são outros, nessa época de flexibilizações políticas contorcionistas e termos hipocritamente polidos do politicamente correto. Esqueceu-se fácil demais a dor do choque, do pau de arara, do silêncio e das gerações e pessoas assassinadas. No país de Macunaíma, os projetos vão trocando de cor, lado e dono como se fosse a ordem natural das coisas. Mas a memória, essa arma que atira contra a mesmice, é insistente e teimosa. E salta nela um belo texto de Tabajara Ruas, lembrando então de um uruguaianense alto com jeito de bonachão, que jogava basquete muito bem e circulava com lupa na mão na densidade do marxismo e que um dia sumiu durante a ditadura. Um tempo depois, foi visto sendo largado de um carro, na rua da ladeira no centro de Porto Alegre. Sobreviveu à tortura, estava vivo. Tabajara lembra que, de soslaio, naquela noite, viu Raul na noite fria. E fez daquela imagem um presente da vida.

A vida é essa novela de destino incerto e rumo imprevisível. Vi Raul pela primeira vez num papo informal para estudantes secundaristas do Julinho, paciente e didaticamente trançando no fulgor de nossos sonhos adolescentes os caminhos de uma possível revolução. Eram tempos ainda confusos, de redemocratização e muitas descobertas. Minha irmã tinha estudado filosofia na UFRGS e tudo o que sabia de Marx era apenas o nome, data do nascimento e da morte. Ouvi Raul atentamente com o Manifesto Comunista alojado na bolsa de couro. E desde então essa memória teimosa me persegue, isso de carregar sonhos na mochila, essa insana utopia de achar que o mundo não pode ser um mercado persa, essa mania de nunca esquecer aquela frase bárbara do Capitão Rodrigo: “Pra ajeitar esse mundo, não hai nada melhor que uma guerra”.

As guerras são outras, mas ainda acho que vale carregar convicções na ponta da lança.

 Ultimamente, da minha mirante desse mundão véio sem porteira, vejo um partido que enterrou a revolução junto com os dinossauros cedo demais, vejo senhores engravatados com o olhar brilhando nas rodas burguesas, escuto papos sobre os melhores vinhos nas mesas dos melhores restaurantes e entendo perfeitamente que a pobreza jamais foi virtude revolucionária – desde que esses senhores quisessem essa vida de poder e fausto para todos.

Foi assim que, ao acompanhar pelo noticiário uma disputa que indicaria o candidato do PT à prefeitura de Porto Alegre, vejo Raul de novo surgir na cena da noite nebulosa da política e se lançando como candidato de um partido que, internamente, tinha optado por isso: candidatura própria. Corria nos bastidores que o outro candidato mirava a vice do prefeito-favorito das eleições. Raul entrou no páreo para clarear a disputa e, enfim, fazer com que tudo voltasse ao princípio: candidatura própria não é candidatura laranja. Ao ver a derrota interna, evitando disputas para não rachar o partido, Raul retirou-se do páreo.

Imagino Raul de cabeça erguida, a cancha em silêncio e uma constrangedora vitória adversária com o amargo sabor de um xeque-mate. Na noite fria e nebulosa da política de resultados, Raul Pont aparece vivo, com um luzeiro na mão. No horizonte, o impossível. Mas o luzeiro insiste em não cair da mão.

(*) Jornalista

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