21 de outubro de 2012

O banditismo social em Eric Hobsbawm

Estas são suas obras de história social consideradas clássicas fora do âmbito da história econômica, na qual trabalhou mais assiduamente em sua longeva e fecunda vida.

A interpretação de Hobsbawm sobre o banditismo social rompe com a tradição historiográfica que considera como mero delinquente, um fora da lei, a todo participante em lutas armadas contra o poder estabelecido, situando em um primeiro plano, no campo da investigação histórica, movimentos sociais que os preconceitos ideológicos e sociais haviam relegado ao anonimato dos arquivos policiais, às páginas sensacionalistas dos jornais, lendas, relatos e cantos populares. É por isso que a crítica de Hobsbawm de que os bandidos e salteadores da estrada preocupam à polícia, mas também deveriam preocupar ao historiador, é completamente justa.

Este autor conceitua o banditismo social como uma das formas mais primitivas de protesto social organizado e situa este fenômeno quase universalmente em condições rurais, quando o oprimido não alcançou consciência política, nem adquiriu métodos mais eficazes de agitação social. Esta forma de protesto social surge especificamente e se torna endêmica e epidêmica durante períodos de tensão e deslocamento, em épocas de escassezes anormais, como fome e guerras, depois destes ou no momento em que as presas do dinâmico mundo moderno se fincam nas comunidades estáticas para destruí-las e transformá-las. O banditismo social se apresenta como uma forma pré-política de resistir aos ricos, aos opressores estrangeiros, às forças que de uma forma ou de outra destroem a ordem considerada tradicional, em condições extraordinariamente violentas, provocando notáveis mudanças em um espaço de tempo relativamente curto. O bandido social representa uma recusa individual a novas forças sociais que impõem um poder cuja autoridade não é de todo reconhecida ou sancionada pela sociedade que ajuda e protege ao bandido. A existência desta cooperação por parte de uma população é fundamental para diferenciá-lo do simples delinquente. E ao confrontar-se com os opressores – ainda que por meios criminais- o povo oprimido vê evidenciados seus desejos mais íntimos de rebeldia. Por isso, toma o papel ou é transformado no vingador ou defensor do povo. Estes símbolos da rebeldia popular são homens que geralmente “se recusam a fazer o papel submisso que a sociedade impõe… os orgulhosos, os recalcitrantes, os rebeldes individuais… os que ao confrontar uma injustiça ou a uma forma de perseguição, rechaçam ser submetidos docilmente.”. Sem dúvida, como toda rebelião individual, tem seus limites. É um protesto recatado e nada revolucionário. Protesto contra os excessos da opressão e a pobreza, não contra sua própria existência. O bandido social não planeja com suas ações a transformação do mundo, não é um revolucionário, apenas tenta, no melhor dos casos, pôr um limite ou reverter a violência dos dominadores. Seu papel não é acabar com o sistema que origina a opressão e exploração contra as quais se confronta, mas fazer com que fiquem limitadas dentro de valores tradicionais que a população que o protege considera justos. Portanto, por sua ação e ideologia, o bandido social é um reformista: age dentro do marco institucional imposto por um sistema cuja existência não é posta em juízo. Por isto, afirma Hobsbawm, para converterem-se em defensores eficazes de seu povo, os bandidos teriam que deixar de sê-lo.

Correspondeu-me aplicar o conceito de banditismo social ao estudar a resistência dos mexicanos à conquista norte-americana dos territórios arrebatados do México em 1848 e o considerei de grande utilidade para explicar especialmente o período em que a Califórnia dá lugar à criação literária sobre bases reais do personagem conhecido como Joaquín Murieta, que reúne todos os rasgos do arquétipo de bandido social. Tiburcio Vázquez, que foi condenado pelos norte-americanos em 1875, viveu por mais de 20 anos roubando ao gringo e repartindo uma parte do produto de suas andanças entre os californianos, contando com o apoio e a admiração desta população. Se Joaquín Murieta e Tiburcio Vázquez alcançaram grande celebridade graças à literatura e até o cinema (transtornados no diluído personagem de El Zorro, que não luta contra os ianques), numerosos mexicanos seguiram anonimamente seus passos durante o período que vai de 1850 a 1880, aproximadamente. No Novo México e Texas temos nessas mesmas épocas, bandidos sociais do tipo vingadores, como Sóstenes L’Archevêque, de mãe mexicana, que ante a morte de seu pai nas mãos dos norte-americanos, inicia uma sangrenta vendetta que, segundo Carey McWilliams o levou a contar 23 marcas de gringos em sua escopeta: duas marcas mais que as encontradas na escopeta de Billy The Kid.

Com seus estudos sobre o banditismo e outras formas de resistência arcaica, Eric Hobsbawm ilumina a história esquecida do mundo dos insubmissos, que, não porque seu caminho fosse uma rua sem saída haveremos de negar-lhe o desejo de liberdade e de justiça que os impulsionava.

No caso específico do Brasil, com a ajuda de Hobsbawm, podemos fazer uma melhor análise do fenômeno do cangaço, ocorrido no nordeste brasileiro de meados do século XIX ao início do século XX. O cangaço tem suas origens em questões sociais e fundiárias do Nordeste brasileiro, caracterizando-se por ações violentas de grupos ou indivíduos isolados: assaltavam fazendas, sequestravam coronéis (grandes fazendeiros) e saqueavam comboios e armazéns. Não tinham moradia fixa: viviam perambulando pelo sertão brasileiro, fugindo e se escondendo, sem uma proposta social.

Um outro fenômeno atual são as áreas marginalizadas dos grandes centos urbanos, onde se afirma que o Estado brasileiro não está presente, e a ocupação destas áreas com UPP’s recolocaria o Estado de novo nestes locais. O que há de novo e atualizado, é a presença das drogas e do tráfico, onde teríamos uma mistura de puro banditismo junto com banditismo social e absoluta ruptura do Estado nestas áreas.

Tradução de Cássia V. Marques para o Diário Liberdade.

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