9 de setembro de 2011

CRISE NA PREVIDÊNCIA

 

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João Francisco Neto*
Os sistemas de aposentadorias e pensões do mundo todo vêm enfrentando seguidas pressões e dificuldades. Não há muito tempo, todos vimos a grande turbulência que tomou conta da França, em virtude das mudanças que o governo resolveu aplicar no regime previdenciário, aumentando a idade mínima de aposentadoria para 62 anos. No Brasil, com bastante frequência, o assunto volta ao noticiário: ora é um rombo nas contas da previdência, ora é um déficit corrente, ou um novo projeto de reforma do sistema previdenciário.
Isso vem ocorrendo no mundo todo, e os complexos cálculos atuariais podem ser resumidos por um fato muito simples: as pessoas passaram a viver muito mais. O que era para ser apenas uma coisa boa, passou a ser uma dor de cabeça para os governos. Com muito mais gente para receber pensões e aposentadorias, torna-se necessário arrecadar mais dinheiro para fazer frente a essas despesas. De outro lado, para aliviar as pressões, os governos procuram aumentar cada vez mais a idade para início do pagamento do benefício. Curiosamente, nos períodos eleitorais, esse assunto nunca é objeto de discussão por parte do governo e muito menos pelos candidatos, pois não traz votos para ninguém. Ao contrário.
Embora os sistemas de seguridade social sejam razoavelmente recentes, a humanidade sempre se preocupou com questões dessa natureza. Antigamente, por força de um dever moral, os mais novos tinham de amparar os mais velhos, seus pais e avós. Mas, com o advento da sociedade industrial, a partir do final do século 19, o mundo passou a sofrer mudanças muito rápidas, inclusive dentro da própria estrutura familiar. Já não era mais possível contar apenas com a boa-vontade e a solidariedade dos mais novos, e o assistencialismo dos particulares não era capaz de atender às crescentes questões sociais relativas à saúde, à assistência e à previdência social, que juntas compõem o que hoje conhecemos por “seguridade social”. Naquela época, o Estado não tinha ainda qualquer participação nos assuntos ligados à seguridade social. Daí que, para obter apoio frente aos dramas decorrentes da velhice, da doença e da invalidez, alguns grupos de trabalhadores mais organizados passaram a se unir para constituir sociedades que pudessem ampará-los nos casos de necessidade. Para tanto, cada um contribuía com uma parte dos recursos, a serem utilizado em benefício dos próprios membros da categoria. Esse era o sistema do mutualismo.
Uma das primeiras iniciativas do Estado, em matéria de seguridade social, ocorreu na Alemanha, também no final do século 19, quando o chanceler Otto von Bismarck, em campanha eleitoral, prometeu criar um sistema de previdência estatal para proteger os inativos, mediante o pagamento de aposentadorias. Para isso, Bismarck criou um sistema baseado na solidariedade entre as gerações, em que caberia à população economicamente ativa recolher, obrigatoriamente, uma contribuição para financiar as aposentadorias. Traduzindo: os mais novos pagariam pelos mais velhos, não como simples dever de pagar, mas para atender ao sentimento universal de solidariedade que deve existir entre os homens. O grande trunfo de Bismarck foi ter observado, já naquele tempo, que a estrutura familiar tradicional havia sido desintegrada pelos avanços do capitalismo industrial, e, assim, já não era mais possível que o Estado deixasse de assumir a responsabilidade pela proteção das pessoas mais velhas e inativas. Esse sistema espalhou-se praticamente para o mundo todo, e funcionou bem por mais de um século.
A partir da década de 1990, acentuaram-se as discussões sobre o esgotamento do modelo de seguridade baseado no princípio da solidariedade entre as gerações. As razões são as mais diversas: o neoliberalismo, com a pregação do Estado mínimo; o aumento da expectativa de vida das pessoas, com as consequentes pressões sobre as contas da previdência; o baixo índice de natalidade (cada vez menos gente para financiar cada vez mais gente, e por mais tempo); o aumento da idade em que os jovens iniciam a contribuição para a seguridade social; o acentuado envelhecimento da população, etc. Isso tudo tem levado a um grave comprometimento de recursos, que configura o chamado “déficit da previdência”, que, como dissemos, não é exclusividade do Brasil. O problema nosso é que, além de tudo, temos ainda de enfrentar os frequentes rombos e os desvios de recursos, que, arrecadados com uma finalidade, acabam sendo aplicados em projetos totalmente diversos, por força de obscuras injunções políticas. O fato é que se trata de questão pendente, cuja solução resultará em medidas bem amargas para os trabalhadores, que sempre se verão na contingência de pagar contribuições cada vez mais pesadas.
*João Francisco Neto - Agente Fiscal de Rendas, doutor em Direito Financeiro pela Faculdade de Direito da USP jfrancis@usp.br

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